MEMÓRIA
MENSAL DA REVELAÇÃO DA MEDALHA MILAGROSA
(FESTA
DE SÃO VICENTE DE PAULO)
Neste
dia que a Igreja celebra a memória litúrgica de São Vicente de
Paulo, e a Família Vicentina, formada por padres (Lazaristas),
freiras (Filhas da Caridade) e leigos engajados (Vicentinos), celebra
de maneira solene seu fundador, resolvemos publicar excertos de uma
segunda Conferência preparatória de Renovação Anual dos votos das
Filhas da Caridade, na qual se tratou acerca da devoção mariana na
Companhia das Filhas da Caridade, a fim de homenagear seu Santo
Fundador.
A
relação do tema abaixo com a Memória Mensal da Revelação da
Medalha Milagrosa, é intrínseca, pois a escolhida para receber sua
revelação foi Filha da Caridade, Santa Catarina Labouré, e antes
mesmo de se iniciarem as aparições da Virgem Imaculada, o próprio
São Vicente de Paulo se manifestou em duas vezes, pelo menos, como
se estivesse preparando a Noviça para sua grande missão. Na
primeira, quando irmã Catarina tinha 18 anos de idade e ainda não
havia ingressado na Companhia. Em sonho lhe diz: “Minha
filha, agora tu foges de mim, mas um dia me procurarás. Deus tem
seus desígnios sobre ti, nunca te esqueças disso.”1
Na
segunda, ocorrida poucos dias depois de seu ingresso no noviciado das
Filhas da Caridade, teve a visão do coração de São Vicente, em
três cores diferentes: “O
coração de São Vicente
– narra ela – me
apareceu três vezes de modo diferente, três dias seguidos: claro,
cor de carne, o que anunciava paz, calma, inocência e união. Depois
o vi vermelho cor de fogo, o que devia inflamar a caridade nos
corações. Parecia-me que toda a comunidade devia se renovar e se
estender até os confins do Mundo. Por fim o vi vermelho-negro; o que
me punha a tristeza no coração; vinham-me tristezas que eu tinha
dificuldade em superar. Não sabia porque nem como, essa tristeza se
relacionava com a mudança de governo.”2
A
própria Virgem Imaculada, em sua primeira Aparição da noite do dia
18 para o dia 19 de Julho de 1830, revelou a Santa Catarina Labouré
sua especial atenção à Companhia das Filhas da Caridade,
afirmando: “Minha
filha, eu gosto de derramar graças sobre a comunidade em particular.
Eu gosto muito dela, felizmente ...”3.
Os
excertos transcritos abaixo constam de artigo publicado no boletim
“Ecos de la Compañía”, do ano de 2002, de autoria de Fernando
Quintano, C.M., por nós traduzido e adaptado para o português do
Brasil4.
Que
São Vicente de Paulo nos inspire verdadeira e profunda devoção a
Maria Imaculada, a prática do amor a Deus e ao próximo,
especialmente aos mais pobres e necessitados.
Por
Maria a Jesus!
Sou
todo teu, Maria.
A DEVOÇÃO À VIRGEM NA COMPANHIA DAS FILHAS DA CARIDADE
“[…]
O carisma da Companhia das Filhas da Caridade é um modo peculiar de
seguir a Cristo herdado de seus fundadores. São Vicente e Santa
Luísa transmitiram às Irmãs sua fé e sua experiencia espiritual.
Ambos viveram a devoção a Maria de uma maneira concreta, e passaram
a fazer parte e integrar toda a herança espiritual da Companha. Como
foi a devoção mariana dos fundadores? Como teria que ser a das
Filhas da Caridade para ser coerente com os demais elementos
essenciais que integram sua espiritualidade vicentina?
A
mensagem de Maria a Santa Catarina (Labouré) influiu
consideravelmente no desenvolvimento da devoção mariana da
Companhia, desde aqueles acontecimentos passados já há quase dois
séculos. Não há que fazer-se uma releitura da mensagem da Rua du
Bac? Como fazer-se uma tal releitura sem que resulte estranha à
identidade da Companhia e à sua devoção mariana específica? A
resposta a estas indagações postas constitui o tema desta segunda
conferência.
A devoção a Maria segundo São Vicente
S. Vicente de Paulo, Santa Luísa de Marillac e as Filhas da Caridade |
Desde
há alguns anos se fala frequentemente de 'espiritualidade
vicentina'. São Vicente nunca utilizou a palavra 'espiritualidade'.
E com esta expressão 'espiritualidade vicentina' se quer dizer o
caminho espiritual pelo qual o Espírito Santo conduz nosso fundador
até a santidade, mediante uma maneira concreta de seguir a Cristo e
de continuar sua missão.
A
vida espiritual de Vicente de Paulo tem como fonte o mistério da
Santíssima Trindade e como eixo central Cristo encarnado para
evangelizar e servir aos pobres. São Vicente se sentiu chamado a
continuar essa missão, e a mesma finalidade têm as instituições
que fundou. Estava convencido de que não era possível continuar a
missão de Cristo senão utilizando os meios que Ele utilizou e se
revestindo de seu mesmo espírito. A isso tendem as virtudes
apostólicas específicas: a humildade, a simplicidade e a caridade.
Tal era o núcleo da espiritualidade vicentina e, logicamente, da
espiritualidade da Companhia. A devoção de São Vicente a Maria se
integra nesse conjunto como algo natural e coerente com a dita
espiritualidade e missão.
Para
São Vicente, Maria é o exemplo de como devem ser as Filhas da
Caridade na missão de servir aos pobres que Deus lhes confia. O
fundador, ao contemplar a Cristo (na pessoa do pobre), descobre n'Ele
três aspectos concretos que lhe mostram como missionário do Pai:
adorador, servidor e evangelizador. Quando contempla Maria, descobre
igualmente três traços pelos quais se sente atraído e que fazem de
Maria um exemplo para a missão da Companhia: são as atitudes de
Maria nos mistérios de sua Concepção Imaculada, da Anunciação e
da Visitação.
São
Vicente não nos deixou uma exposição sistemática de sua
espiritualidade, tampouco sobre Maria. Não era o que entendemos hoje
por um mariólogo, nem tampouco um desses santos que, na historia da
Igreja, distinguiram-se por sua devoção mariana. O Pe. Dodin, em um
artigo publicado em 1969, constata o grande florescimento dessa
devoção no século XVII francês. Se imagina que São Vicente
passou ao largo dos autores espirituais de seu tempo, como àqueles
de quem se costuma dizer: 'certamente
é um da família, porém, é um parente pobre'
(distante).
Fachada atual da "Chapelle Notre Dame de la Medaille Miraculeuse", à rua du Bac, 140, Paris-França (Casa- Mãe da Companhia), tendouma efígie de Maria Santíssima com o Menino Jesus ao colo |
Entre
as oito mil páginas que ocupam os escritos de São Vicente, e que
chegaram até nós, nenhuma de suas conferências e cartas tratam
expressamente sobre a Virgem. Somente se refere a ela em oitenta
passagens, mas bem curtas e superficialmente. Em sua maior parte,
trata-se de invocações ao final de algumas conferências nas quais
apresenta Maria como exemplo da virtude sobre a qual pregou,
implorando sua intercessão a fim de obtê-la para a Companhia. São
referências espontâneas e que fluem de seu coração. Recordemos
algumas: 'Rezemos
à Santíssima Virgem para que ela peça a seu Filho por nós, a fim
de que nos dê as graças necessárias para isso. Santíssima Virgem,
tu que intercedes por aqueles que não têm língua e não podem
falar, suplicam-te, estas boas filhas e eu, que assistas a esta
pequena Companhia'.
'Recorramos
à Mãe de misericórdia, a Santíssima Virgem, vossa grande patrona,
posto que esta Companhia da Caridade foi fundada debaixo do
estandarte de sua proteção, e se outras vezes vos temos chamado Mãe
nossa, agora vos suplicamos que aceiteis o oferecimento que te
fazemos desta Companhia e de cada uma em particular… E uma vez que
obtivestes de Deus a fundação desta Companhia, aceita-a sob tua
proteção'.
Do
conjunto dessas breves passagens referentes a Maria, São Vicente
destaca três mistérios. Neles descobre as atitudes que devem animar
as Filhas da Caridade em sua vida de entrega a Deus para servir aos
pobres.
A Imaculada Conceição
Neste
mistério, contempla São Vicente Maria como templo e digna morada da
divindade, 'cheia de graça' e 'isenta de todo pecado', 'puro
receptáculo'. É o exemplo de como as Filhas da Caridade têm que
estar abertas para acolher a Deus, deixando-se encher de sua graça,
esvaziando-se de si mesmas. A isso é que levam as virtudes da
humildade e da pureza.
A Anunciação
São
Vicente contempla neste mistério Maria acolhendo o plano salvífico
de Deus e, entregando-se incondicionalmente a Ele, aceitou ser a Mãe
do Verbo encarnado. O 'SIM' de Maria deu a seu Filho a possibilidade
de entrar neste mundo e fazer parte da raça humana. As Filhas da
Caridade, mediante sua entrega total a Deus, imitam o 'fiat' de
Maria, colaborando com o projeto salvífico de Deus, que se dirige
preferentemente aos pobres.
Santa Catarina Labouré, Filha da Caridade, distri- buindo a Medalha Milagrosa |
A Visitação
Maria,
depois de acolher e entregar-se ao plano de Deus, sentiu-se
impulsionada a visitar a Isabel. A entrega a Deus se faz no serviço
ao próximo necessitado. Para São Vicente, as Filhas da Caridade são
as verdadeiras 'visitandinas'5.
Por isso têm que realizar o serviço aos pobres com as mesmas
atitudes que teve Maria quando visitou a Isabel, isto é, para
agradar a Deus, para servir aos pobres e por caridade.
A
devoção mariana de São Vicente não é algo estranho ao conjunto
dos outros elementos que integram sua espiritualidade cristocêntrica
e missionária. Quando comunica às Filhas da Caridade sua fé e
experiência sobre Maria, faz em total conformidade com o 'espírito'
e o 'fim' da Companhia. Até neste aspecto se percebe o sentido
prático do fundador. Em sua devoção a Maria predomina mais a
imitação de suas virtudes que o simples louvor. As expressões da
devoção de São Vicente à Virgem são simples e populares:
peregrinação a santuários marianos (a Buglose, descalço, em 1623;
a Chartres em 1629), ainda à véspera de algumas festas da Virgem,
reza o rosário e o Angelus… Porém, sua devoção não
equivale a práticas devocionais. A diferença de muitos dos
espiritualistas de sua época, não é exuberante, mas bem sóbria e
serena. Isto não equivale dizer-se que não fosse uma devoção
sincera a Maria, nem tampouco que fosse 'um parente pobre' (distante)
dos grandes devotos de seu tempo. A devoção não se mede pela
extensão dos escritos e pela abundância de práticas devocionais
senão pela intensidade do amor. Em São Vicente, e a seu exemplo na
Companhia, a devoção mariana não é uma peça adicionada, mas
perfeitamente engajada nos mistérios da Trindade e da Encarnação
que constituem os dois pilares de sua espiritualidade. [...]”
____________
1 cf.
SANTOS, Armando Alexandre dos. “A Verdadeira História da Medalha
Milagrosa”, Editora Artpress, São Paulo, 2ª edição/2017, p.
12.
2 Idem,
p. 15.
3 Idem,
p. 24.
5 “Visitandinas”:
trata-se de uma Ordem religiosa de clausura monástica fundada por
São Francisco de Sales e Santa Joana de Chantal em 1610
(contemporâneos de S. Vicente), denominada “Ordem da Visitação
de Santa Maria”.
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