09 DE MAIO – FESTA DE SANTA LUÍSA DE MARILLAC, “PADROEIRA DAS OBRAS SOCIAIS CRISTÃS”
SANTA
LUÍSA DE MARILLAC (1591-1660)
Nascimento
e infância
Luísa
de Marillac nasceu em Paris, em 12 de agosto de 1591. Sua origem
familiar está envolta em controvérsias, especialmente em relação
à identidade de sua mãe que, ainda hoje, permanece desconhecida. Em
relação à família paterna, seus biógrafos a apresentam como
filha de Luis de Marillac, pertencente à nobreza francesa. Sua
descendência nobre, contudo, não foi para ela sinônimo de regalias
e facilidades, pois nunca foi, de fato, reconhecida pelos seus. A
preocupação em zelar pela boa fama de sua condição social, fez
com a família paterna a assumisse como o que J. Calvet, um de seus
biógrafos, afirmou: “[...] uma jovem, que
não rejeitava, mas que não devia figurar na árvore genealógica. A
família defendia-se”1.
Tal
como o nascimento, sua infância é marcada por desencontros e
privações, especialmente da presença e do afeto familiar. Ainda
nos primeiros anos, Luísa é colocada no Convento das Dominicanas de
Poissy, onde residia sua tia-avó. Ali recebeu uma esmerada educação
sob vários aspectos – humano, intelectual, espiritual, artístico
– e que lhe foi de grande valia em sua missão futura junto às
Irmãs e aos pobres.
Aos
13 anos é retirada de Poissy pela família, passando a morar no
pensionato de uma modesta senhora que acolhia várias jovens de sua
idade. Alguns de seus estudiosos especulam, inclusive, que essa
senhora seria a mãe biológica de Luísa. Neste lugar aprendeu os
diversos ofícios relativos ao cuidado do lar, tidos pela sociedade
da época como atribuições específicas das mulheres. O aprendizado
que recebe é respondido pelo auxílio que presta na melhoria das
finanças daquela casa, contribuição que pode dar através de seus
dotes artísticos empregados na confecção e venda de artesanatos, e
seu espírito de organização. Ali residiu até 1613.
As
buscas da juventude
Em
geral, seus biógrafos a descrevem como uma mulher de constituição
física pequena e frágil, frequentemente acometida de enfermidades.
Embora não fosse acometida por doenças sérias, sua saúde exigia
dela permanentes cuidados. Sua personalidade, contudo, é de uma
mulher forte que, embora introspectiva, possui uma profundidade ímpar
e um notável senso contemplativo. A própria situação familiar a
fez buscar a interioridade. Mesmo após sua saída de Poissy, mantém
o zelo pelo aprimoramento e cultivo interior através do contato com
as diversas obras de espiritualidade de seu tempo.
Essa
tendência pessoal, aliada à aproximação da Vida Religiosa, a fez
aspirar a consagração; chega a emitir um voto pessoal nesse
sentido. Era seu desejo entrar para o convento das Capuchinhas,
conhecidas pela austeridade e rigidez de vida, dedicada intensamente
à penitência e à oração. Seu pedido, contudo, é recusado pelo
superior da ordem sob a alegação de sua fragilidade física e com
as palavras de consolo de que Deus a estava preparando para outra
experiência.
São Vicente de Paulo e Santa Luísa de Marillac |
Influenciada
pelas tradições familiares e culturais de sua época, Luísa se vê
diante da alternativa de um casamento de conveniência. Mais uma vez,
os Marillac são estratégicos em prover um matrimônio que seja lhes
fosse favorável, salvaguardando sua honra como nobreza e
transferindo o incômodo que Luísa e sua origem representavam para o
histórico familiar. Em 1613, com 22 anos, casa-se com Antônio Le
Gras, secretário de ordenanças da rainha, tornando-se, assim,
“Mademoiselle Le Gras”. Neste mesmo ano nasce seu filho Miguel,
cujo temperamento intempestivo a preocupou durante muito tempo.
Embora
representou uma mudança de rota diante do projeto de vida desejado,
é importante salientar que o casamento e a maternidade não foram
caminhos de frustração e infelicidade para Luísa. Elas os assumiu
com a mesma doação e zelo. Foi uma experiência, contudo, também
marcada por dificuldades e sofrimentos, seja em relação ao do
filho, cerceado pelos cuidados excessivos da mãe e de suas projeções
pessoais sobre ele2,
como também na estabilidade estrutural da família, o que passou a
ter um impacto mais notável com o adoecimento e morte do marido em
1623.
Os
encontros que transformam
A
doença de Antonio Le Gras foi um período de intensas indagações
para Luísa. Seus escrúpulos religiosos a fizeram ver nessa situação
como que um castigo de Deus por não ter assumido o voto de
consagração que fizera em sua juventude. No percurso espiritual,
ela se fez acompanhar de pessoas que a ajudaram a caminhar com maior
serenidade e discernimento, para com os quais ela sempre cultivou um
sincero reconhecimento, acompanhado de um certo apego, o que a fazia
temer a ausência dessa presença de apoio.
O
ano de 1623 é marcado simultaneamente por momentos de angústia e de
consolo espiritual para Luísa. Como ela mesma atesta em seus
escritos, seu espírito é assolado por três substanciais
indagações. No âmbito da fé, sofre com dúvidas em relação à
imortalidade da alma; sobre seu estado de vida, questiona-se se deve
abandonar seu esposo enfermo para cumprir seu voto de consagração,
ou deve permanecer ao seu lado; acerca de seu diretor espiritual,
teme perder esse auxílio que tanto lhe compraz. Essas questões lhe
tiraram a paz e a fizeram mergulhar em ainda mais rigoroso ritmo de
exercícios espirituais.
No
dia de Pentecostes, naquele ano datado em 04 de junho, estando em
oração na igreja de São Nicolau dos Campos, Luísa vive uma
experiência singular de encontro com Deus, que lhe devolveu o
consolo interior e lhe permitiu intuir as respostas aos dramas que
lhe faziam penar. Sente-se confortada sobre os aspectos da salvação
e da imortalidade da alma; percebe que, por ora, seu lugar é junto
de seu esposo e de seu filho, e que dias virão em que ela viverá
seu ideal de consagração numa experiência de “idas e vindas”,
aspecto que lhe foi incompreensível no momento; quanto à sua
direção espiritual, vislumbra que encontrará alguém, que de
primeiro momento não lhe agradará, mas que lhe ajudará imensamente
em seu caminhar para Deus.
Neste
último item encontra-se a referência ao que foi o encontro entre
Vicente e Luísa, dado por primeira vez no ano de 1626. Zelosa de sua
vida de fé, Vicente foi indicado pelo então orientador espiritual
de Luísa, Pedro Camus, bispo de Belley. Dada suas diferenças
notáveis de personalidade, o encontro inicial entre Luísa e Vicente
não foi, em primeiro momento, dos mais entusiasmados. O estilo
refinado e culto de Luísa, moldado numa condição de vida mais
abastada reluta diante do perfil rústico e do senso prático de
Padre Vicente, cuja vida e ação já haviam sido tocadas e
transformadas pelo encontro com os pobres. Ao assumir o cuidado
espiritual da Senhora Le Gras, Padre Vicente a envolverá paulatina e
ativamente nos caminhos da caridade, caminhos estes que foram
transformadores também para sua vida e ministério.
Trata-se,
no entanto, de uma relação de apoio e cooperação recíproca:
Vicente foi um instrumento de Deus que ajudou Luísa a romper as
barreiras dos próprios escrúpulos, apegos e inseguranças. Ela, por
sua vez, contribui com seus muitos dons humanos e espirituais para
organizar, ampliar e qualificar a obra da caridade iniciada por
Vicente. Não seria honesto com o Carisma, especialmente em relação
à Companhia das Filhas da Caridade, colocar Santa Luísa com
participação e importância de segunda categoria. Há uma relação
de equidade e complementariedade tanto no que se refere à amizade
entre ambos como a cooperação no desenvolvimento da obra que
empreenderam.
As
“idas e vindas” da caridade
Os
primeiros anos de viuvez foram para Luísa um período de intenso
trabalho interior, de busca por reestabelecer-se humana e
estruturalmente. Mudou-se para uma casa mais modesta, próxima à
residência de Padre Vicente, dedicando-se à educação do filho, às
suas disciplinadas devoções e a pequenos trabalhos. O
acompanhamento que realiza com seu diretor foi lhe ajudando
progressivamente a intuir novos caminhos para viver e traduzir seu
dinamismo espiritual. Em primeiro momento, a aproximação das
iniciativas de caridade organizadas por ele foram uma via pedagógica
para Luísa sair de si mesma, libertando-se de seus complexos de
culpa e descobrindo a dimensão ativa de sua contemplação.
As
primeiras contribuições de Luísa de Marillac nas iniciativas de
Vicente de Paulo foi na animação e formação das Confrarias da
Caridade, criadas a partir da experiência de Chatillôn Les-Dombes
em 1617 e que rapidamente se espalharam pela França. A partir de
1629, ela passa a visitar as Confrarias que, passados os primeiros
anos, já não conservavam o fervor inicial. Seu senso pedagógico e
capacidade de organização lhe foram de grande valia nesta tarefa
que, além de possibilitar a Vicente e a ela um olhar de conjunto e
amplo sobre a obra das Caridades, permitiu identificar e intervir com
maior eficácia junto às dificuldades existentes. Passou cerca de
quatro anos envolvida com essa missão.
Entre
os desafios encontrados estava a percepção de que as Confrarias,
compostas por damas da aristocracia francesa, já não se empenham
com a dedicação necessária no atendimento aos pobres. Suas
famílias, especialmente seus esposos, passam a impedi-las de
realizarem os modestos serviços de visitar os doentes, preparar e
servir-lhes o alimento, confortá-los material e espiritualmente.
Elas, então, delegaram essas tarefas às suas empregadas que, embora
assumam o aspecto prático da ação, não possuem a mística que
envolve esse trabalho, e o fazem sem zelo e cuidado.
É
neste contexto que surge Margarida Naseau, uma jovem camponesa de
Suresnes, que se apresenta a Vicente de Paulo com a disposição de
assumir o serviço aos pobres não somente como uma atividade
ocasional, mas como seu projeto de vida. Nela Vicente e Luísa
vislumbram o que se veio a se tornar depois a Companhia das Filhas da
Caridade e que teve como data fundacional o dia 29 de novembro de
1633, quando Luísa reúne em sua casa as quatro primeiras jovens.
Há
nessa fundação uma originalidade de carisma e de estrutura. A Vida
Consagrada da época se encontrava restrita às experiências
conventuais, sem um envolvimento apostólico ativo e constituídas
por mulheres provindas de famílias abastadas, capazes de pagar o
dote exigido. O surgimento da Comunidade não se constitui como um
projeto arquitetado estrategicamente por Vicente e Luísa – tanto
que eles foram relutantes em levar a cabo a fundação – nem
atrelado a eles ou a seus projetos pessoais. Vicente é incisivo em
destacar a participação da Providência no surgimento da Companhia.
Luísa, por sua vez, manteve vigilância permanente para que a
Companhia conservasse e amadurecesse suas intuições originárias,
tais como sua natureza secular e a centralidade do serviço dos
pobres.
Acolhidas
as moções do Espírito, Luísa assume as “idas e vindas”
intuídas há quase uma década como seu caminho de doação e
consagração a Deus. Na tarefa de organizar a Comunidade e como
responsável pela formação das primeiras Irmãs, ela colocou todas
as forças e seus dons a serviço dessa causa. Esse processo é
percorrido entre alegrias e desafios. Em um primeiro momento, a
missão das Filhas da Caridade esteve ligada diretamente às
Confrarias, com as Irmãs assumindo os trabalhos que eram realizados
pelas damas e, por vezes, estando sob a direção destas. Aos poucos,
a Companhia vai construindo uma necessária autonomia, inserindo-se
em novos espaços e assumindo novas frentes de missão.
Trata-se
de uma novidade para a Igreja e a sociedade da época. Provindas de
aldeias do interior da França e dos arredores de Paris, as Irmãs
rapidamente conquistaram a empatia dos pobres, e reconhecimento por
parte das senhoras e responsáveis pelos estabelecimentos em que
atuavam. Contudo, não se tratou de uma postura unânime. As
inevitáveis divergências exigiram posturas firmes dos Fundadores
para que fossem salvaguardadas as intuições da origem,
especialmente no momento de obter o reconhecimento eclesiástico da
Comunidade e de garantir o serviço aos verdadeiramente pobres. A
participação de Luísa nesse processo é fundamental, especialmente
nas articulações de bastidores e nos diálogos com Vicente de
Paulo.
Luísa
de Marillac, pedagoga do amor afetivo e efetivo
A
originalidade do apostolado das primeiras Irmãs carregou consigo
inúmeros desafios. Provindas das aldeias, convivendo numa sociedade
e Igreja patriarcais onde o papel da mulher estava relegado ao lar, a
itinerância da missão as fez andar na contramão dos padrões
culturais da época. Da mesma forma, o serviço dos pobres por elas
assumidos necessitava de aprendizados básicos que iam desde o
letramento para as mestras de escolas até técnicas de saúde e
recursos medicinais para aquelas que atendiam os doentes. Os limites
científicos do século XVII permitem mensurar as dificuldades,
agravadas pelas situações de conflito e descaso social em que vivia
boa parte da população. Luísa exerceu esse papel pedagógico de
introduzir as Irmãs a esses conhecimentos basilares para bem
realizarem a missão de servir os pobres.
Por
outro lado, esse serviço é assumido sob uma perspectiva de fé, o
que implicou o necessário aprimoramento espiritual das Irmãs. Em um
período em que o povo não tinha acesso direto à Bíblia e a
formação catequética era mínima, as jovens camponesas possuíam
uma fé rica em valores, destacada por Padre Vicente com uma virtude
a ser conservada pela Companhia – “o espírito das boas moças do
campo” – porém rudimentar em relação aos conteúdos e
compreensões fundamentais. Luísa de Marillac foi igualmente a
mistagoga que acompanhou as Irmãs em seu crescimento espiritual,
redigindo um catecismo que lhes fosse acessível, exortando-as à
oração, às práticas devocionais que lhes permitissem viver uma
profunda experiência de Deus.
Nesse
caminho de maturação da fé e do discipulado, alguns discernimentos
vão se apresentando aos Fundadores, desde as frentes de ação a
serem assumidas, as colocações das Irmãs e as tensões da vida
comunitária, como também a admissão e permanência destas. Já na
primeira década, a Comunidade conheceu considerável expansão.
Contudo, é preciso conhecer a autenticidade das motivações
daquelas que se apresentam como também daquelas que já estão.
Luísa é ciente de que o serviço dos pobres é exigente e que,
conforme as dificuldades vão se apresentando, a vocação vai sendo
lapidada. Essa lucidez expressa a confiança de que o projeto
assumido é obra de Deus e que sua continuidade depende em primeiro
lugar da obra da graça, acompanhada da resposta generosa de quem é
chamado.
Morte
e reconhecimento canônico
Luísa
de Marillac faleceu em 15 de março de 1660, poucos meses antes de
Vicente de Paulo. Sua beatificação se deu em 09 de maio de 1920,
por Bento XV, e a canonização se deu em 11 de março 1934, por Pio
XI. Em 1960 foi proclamada pelo papa João XIII patrona de todas as
Obras Sociais.
Sua
obra permanece viva através missão daqueles e daquelas que,
inspirados/as em seu testemunho, assumem o serviço ao próximo,
especialmente os mais pobres, como experiência de amor e doação ao
próprio Deus.
Em
seu leito de morte, deixou como testamento espiritual às Irmãs:
Minhas queridas Irmãs, continuo pedindo a Deus por vós e rogo conceder-vos a graça de perseverar em vossa vocação para que possais servi-Lo no modo como ele vos pede.
Tende grande cuidado do serviço dos pobres e, sobretudo, vivei juntas numa grande união e cordialidade, amando-vos umas às outras, para imitar a união e a vida de Nosso Senhor.
A
riqueza e atualidade de seu pensamento está acessível na obra
“Luísa de Marillac: correspondência e escritos”, nas cartas
dirigidas a Vicente de Paulo e que estão compilados entre os
escritos deste, como também no trabalho zeloso de autores e autoras
que colocaram sua pesquisa e dom literário a serviço da Companhia e
da Igreja.
Indicações
de obras sobre Santa Luísa de Marillac:
Biografias:
CALVET,
Jean. Santa Luísa de Marillac: autorretrato. Lisboa: Editorial
Evangelizare, 1958.
CHARPY,
Elisabeth. Contra ventos e marés: Luísa de Marillac. Rio de
Janeiro: Associação São Vicente de Paulo, 1990.
______________.
Petite Vie de Louise de Marillac. Paris: Desclée de Brouwer, 1991.
GOBILLON,
Nicolás. Vie de Mademoiselle Le Gras : fondatrice et première
supérieure de la Compagnie des Filles de la Charité. Paris : André
Pralard, 1676.
MARTÍNEZ,
Benito. La Señorita Le Gras y Santa Luisa de Marillac. Salamanca :
Editorial CEME, 1991.
______________.
Empeñada en un paraíso para los pobres. Salamanca: Editorial CEME,
1995
Obras
sobre espiritualidade:
BETANZOS,
Benito Martínez. El Cristo de las Hijas de la Caridad. Salamanca:
Editorial CEME, 2017. CHARPY, Elisabeth. Orar 15 dias com Santa Luísa
de Marillac. Aparecida: Editora Santuário, 2010.
USE
A MEDALHA MILAGROSA
Receba
o conteúdo deste blog gratuitamente. Cadastre seu e-mail abaixo.
______________
1
CALVET, J. Santa Luísa de Marillac. Auto-retrato. Lisboa: Editorial
Evangelizare, 1958. p. 31.
2
Vale recordar que durante longa data ela tentou fazê-lo padre,
contando com a ajuda posteriormente de Vicente de Paulo para
refletir melhor sobre seu intento. Miguel chegou a receber as Ordens
Menores, mas em seguida abandonou o seminário e se envolveu numa
vida de escolhas irrefletidas, o que muito preocupou Luísa.
Contraiu um casamento clandestino que posteriormente conseguiu
anular com a ajuda da mãe. Dez anos antes da morte de Luísa,
Miguel casou-se com Gabriela Le Cler e tiveram uma filha, Luisa
Renata, que foi alegria e consolo para a avó em seus últimos
momentos.
3
Luísa de Marillac: correspondências e escritos. p. 967.
(Fonte: site das Filhas da Caridade - Destaques acrescidos)