SANTA CATARINA LABOURÉ: A SANTA DO SILÊNCIO
Retrato de Santa Catarina Labouré (já idosa), com seu autógrafo. |
“Vale
a pena fazermos algumas considerações sobre o silêncio,
que
tem seus aspectos positivos e negativos, embora no caso de Santa
Catarina, ao conhecermos sua vida, descobriremos imediatamente que o
seu silêncio era, às vezes, fruto e instrumento proteção de sua
grande humildade. Nunca falou com o fim de atrair a atenção ou a
admiração dos demais em razão das grandes e extraordinárias
graças que recebeu do Senhor. E mais, 'nunca
falava de si mesma —
dirá uma das testemunhas interrogada durante o processo da causa de
sua beatificação, mas
permanecia silenciosa' (Sor
de La Haye Saint Hilaire, 6 de julio de 1909).
Mais
de uma vez Irmã Catarina respondeu com o silêncio acompanhado de um
sorriso às Irmãs que se dirigiam a ela com palavras de certo
desprezo. Soror Gil Moreno de Mora dirá a 5 de julho de 1909: 'Uma
de suas companheiras a tratava de tonta e boba. Ela não respondia
uma palavra e se contentava com sorrir'.
Este silencio refletia de novo a grande humildade e caridade de nossa
Irmã.
O
silêncio de Santa Catarina não era indiferença, nem mutismo, nem
hermetismo. Era da sua natureza serena e quiçá pouco comunicativa
pelos muitos acontecimentos dolorosos que vivenciou desde sua
infância; em nenhum momento utilizou o silêncio como evasão ou
fuga da comunicação com as demais e menos ainda como expressão de
amargura ou mal humor. Não faltou quem a acusasse de abandonar o
recreio para ir à capela. As testemunhas do processo ratificam essa
afirmação: 'Se
dirigia regularmente para lá
[capela],
menos quando um ancião enfermo precisava de seus cuidados'
(Vida de Catalina Labouré —Pruebas— R. Laurentin, pág. 505, n.°
1299, Sor Maurel, 21 de julio de 1909).
Primeira Aparição da Virgem Imaculada a Santa Catarina Labouré. |
O
que é certo é que Catarina tinha um elevado conceito do silêncio
como meio apropriado para fazer bom uso de outro dom importante que é
a
palavra.
O
silêncio
permite a utilização da palavra em todo seu valor, evita seu uso
inútil e, sobretudo, impede que se a utilize como arma ofensiva e
destruidora contra Deus e contra o próximo.
O
silêncio dispõe falar-se no tempo e de modo apropriado. O
pensamento elaborado no silêncio dá densidade e valor à palavra
que o expressa. Catarina conhecia bem a doutrina de seu Fundador São
Vicente, sobre este ponto:
'O
silêncio atrai, tanto sobre as comunidades como sobre as pessoas,
abundâncias de graças e de bênçãos, posto que guardar o silêncio
não é outra coisa que escutar a Deus…'.
São Vicente considera que é uma grande sabedoria 'falar
oportunamente, é o que fez Nosso Senhor quando aproveitou a ocasião
na qual a samaritana retirava a água para falar-lhe da graça'.
E exclama ainda o Santo: 'Quem
nos dera ter este dom de 'falar oportunamente'
(Síg. XI/4, 787).
Nossa
irmã, Santa Catarina, supôs calar a tempo e falar a tempo. Tanto
seu silêncio como sua palavra não pretendiam mais que o cumprimento
da vontade de Deus e a caridade para com o próximo. Graças a seu
silêncio, suas palavras eram mais apropriadas, mais densas de
conteúdo e ofereciam mais credibilidade.
'Falava
muito pouco, disse
uma das testemunhas, porém,
o fazia sempre muito bem. Cada palavra que dizia era oportuna (para)
levar a Deus e dar ânimo' (Sor
Cosnard, 9 de julio de 1909).
'Não
era expansiva, falava pouco. Se lhe pedissem conselho? Dava-o, de
maneira simples, em poucas palavras e sempre com muito acerto. Era o
Espírito de Deus que falava por ela'
(Sor Tanguy, 2 de junio de 1909).
Para
Santa Catarina o silêncio é antes de tudo o ambiente
onde se cultiva uma grande união com o Senhor, união que refletia
em toda sua pessoa e atitudes. 'Eu
estava
impressionada pelo espírito de silêncio e de recolhimento de Soror
Catarina —
disse Soror Mauche em seu testemunho de 2 de julho de 1909 —. Sua
união com Deus se refletia perfeitamente sobre seu rosto que, ao
olhá-la, eu não cessava de admirá-la''.
Santa Catarina Labouré na portaria da Casa Mãe |
Santa
Catarina fez de sua vida eco à afirmação de São Vicente: '…o
silêncio serve para falar-se com Deus: no silêncio é que Ele nos
comunica suas graças'
(S. V., Conf. 1 de agosto de 1655 – C. E. n.° 1344).
Assim
mesmo nossa Santa fez já realidade em sua vida o que nos recomendam
nossas Constituições: 'Para
favorecer a intimidade de cada uma das Irmãs com Deus e despertar em
todas uma indispensável recuperação interior, é necessário
possuir momentos
de silêncio. Clima
de Deus, o silencio, aceitado de comum acordo, prepara os momentos de
maior riqueza no plano espiritual'
(C. 2,14). Entre esses momentos, merecem menção especial o retiro
mensal e
os
exercícios
espirituais.
Sua
santidade de vida e, sobretudo, sua humildade e sua caridade
extraordinárias com o próximo, especialmente com os anciãos que
cuidava, só podem ter explicação em uma vida profundamente
enraizada em Deus.
O
silêncio predispõe facilmente à escuta.
Prepara
o ambiente propício não só para escutar a Deus, senão também ao
irmão necessitado. Suas duas horas de conversa com Maria, na noite
do dia 18 para 19 de julho, preparam-na sem dúvida para esse
importante serviço de escuta. Ali aprendeu a vez e o valor do
silêncio, da escuta e da palavra.
Santa Catarina rezando diante de uma imagem da Virgem existente no pátio entre o asilo e a Casa Mãe. |
Irmã
Catarina, entretanto, não vacilou ao romper o silêncio e fez uso da
palavra
quando
a vontade de Deus e a mensagem recebida de Maria lhe exigiram. Falou
e insistiu, inclusive diante das pessoas que podiam realizar o
conteúdo do encargo recebido.
Como
recordou Sua Santidade Pio XII na homilia da Missa de sua
canonização, 'o
caso de Santa Catarina não foi como o de outras místicas, como
Ângela de Foligno ou Magdalena de Pazzi, que guardaram em seus
corações as comunicações sobrenaturais íntimas de que foram
objeto. Santa Catarina recebeu uma
mensagem que
havia de transmitir e cumprir: despertar
o
fervor
esfriado nas duas Companhias do Santo da Caridade; submergir
o
mundo sob o dilúvio de pequenas medalhas portadoras de todas as
misericórdias espirituais e corporais da Imaculada; suscitar
uma
Associação piedosa de Filhas de Maria para a salvaguarda e
santificação das jovens'
(Ecos de la Casa Madre, setembro de 1947, pág. 118).
Até
o fim de sua vida padeceu o martírio de não ser atendido seu pedido
de confeccionar a estátua da Virgem do globo, tão solicitada por
Maria. Porém não cessou de falar até que ser atendida, mesmo
reconhecendo (depois) que não correspondia à beleza que havia
contemplado nas aparições.
Suas
confissões lhe proporcionaram mais de um desgosto, posto que nem
sempre lhe foi dado crédito e nem se respondeu a tempo ao que pedia,
porém, apesar disso a Vidente, vencendo sua timidez, falou quantas
vezes se fez necessário para levar adiante o encargo recebido.
Ademais, não se contentou com falar a suas contemporâneas senão
também, apesar de sua pouca cultura e suas deficiências de estilo e
ortografia, deixar por escrito para posteridade o relato das
manifestações de Maria. Nestes escritos, nem palavras inúteis, nem
preocupações de estilo, nem complexos por não saber expressar-se
corretamente. Não buscou enaltecer a si mesma, nem a glória humana
que pudesse advir dos privilégios de que foi objeto; só a movia a
missão confiada pela Mãe de Deus.
Santa Catarina, a primeira propagadora da Medalha Milagrosa |
Em
nossa Irmã, o silêncio
e
a palavra
bem
compreendidos e utilizados se enriqueciam mutuamente. O silêncio
engrandece a palavra e a palavra apropriada, empregada em seu devido
tempo, justifica e dá valor ao silêncio em cujo seio foi gerada.
Nem o silêncio teria tido tanto sentido se não tivesse servido como
laboratório da palavra, nem esta teria sido tão significativa e
densa de conteúdo se não tivesse sido elaborada no silêncio,
engendrada nele.
Em
Santa Catarina, tanto seu silêncio como suas palavras, falam, criam
interrogações, transmitem mensagens. Tanto mais porque encontram
respaldo em sua compostura externa e seu comportamento.
Assim
mesmo nossa Irmã pôs ao serviço da caridade com o próximo tanto o
seu silencio como suas palavras. Os anciãos a ela confiados, nos
quais descobria Deus, encontravam em Soror Catarina compreensão,
atenção e perdão. Seu comportamento com os que abusavam da bebida
era considerado demasiado 'indulgente'. Uma de suas companheiras de
Comunidade, Soror Charvier, como tantas outras testemunhas do
processo de beatificação, disse: 'Indulgente
com seus anciãos, repreendia-os quando algum deles voltava bebido à
casa. Nós lhe dizíamos: ''Por que não lhe repreende com mais
rigor?'' Ela respondia: ''não lhe posso repreender com mais vigor.
Vejo nele Nosso Senhor''.
Eram descartadas palavras de acusação ou expressões de impaciência
e crítica.
O
silêncio era também para Irmã Catarina um meio de defesa contra a
utilização indevida do dom da palavra, seja transformando-a em
discurso
superficial e
inútil que, de certa maneira, é uma profanação deste maravilhoso
instrumento de comunicação, seja empregando-a como
arma ofensiva que
fere diretamente o próximo, por meio de críticas ao seu
comportamento. A heroicidade de suas virtudes demonstram que nossa
Santa foi fiel às orientações recebidas de nossos Fundadores com
relação à caridade fraterna, que facilmente se rompe com a palavra
mal utilizada:
Antigo postal francês de Santa Catarina Labouré |
'Guardem-se
bem em suas conversações de se ocupar dos defeitos do próximo, e
muito menos os de suas Irmãs… e como o silêncio é o meio mais
eficaz para evitar não só uma multidão de faltas contra a caridade
que se cometem com a língua, como também outros muitos pecados que
resultam do muito falar, segundo o testemunho da Sagrada Escritura,
que propõe um especial cuidado em observá-lo'
(Reglas Comunes, cap. VI, artículos 3.° y 4.°).
Não
é difícil imaginar que Santa Catarina encontrou também no silêncio
e
no recolhimento que lhe era permitido, o espaço
adequado
para o encontro consigo mesma e para a reflexão, necessária a todo
ser humano.
Num
mundo onde há tanto barulho e dispersão, faltam esses espaços de
reflexão, corremos o risco de caminhar embalados pelo que nos rodeia
e arrasta, sem clara consciência para onde vamos e quais são as
influências de tudo isso sobre nossa pessoa e comportamento,
inclusive sobre nossa liberdade. Sob tais condições, caímos na
maior das escravidões, porque nem a inteligência nem a vontade
exercem todas as suas capacidades. Aceitamos como bom o que o sistema
e a moda reinantes nos oferecem, sem arranjar tempo, nem procurarmos
o espaço apropriado ao silêncio e à reflexão necessária para —
à luz dos critérios evangélicos, dos ensinamentos da Igreja e dos
compromissos próprios de um membro da Companhia — fazer um exame
sério de tudo quanto nos acontece.
“A
Maria Imaculada 'totalmente
aberta ao Espírito… exemplo perfeito dos que escutam a Palavra e a
guardam'
(C. 1,12), confiemos nosso desejo de continuar, com fidelidade
renovada, a Missão de Cristo entre nossos irmãos necessitados.”
Santa
Catarina Labouré deixou este mundo e partiu para o céu no dia 31 de
Dezembro de 1876, por volta das 19 horas, após receber os últimos
sacramentos com uma felicidade e serenidade impossíveis de se
descrever, e a seu pedido, as irmãs Filhas da Caridade que a
cercavam, rezavam a Nossa Senhora a invocação que ela própria
repetia muitas vezes:
“Terror
dos demônios, rogai por nós! …”
USE
A MEDALHA MILAGROSA
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FONTE:
excertos do artigo publicado, com o mesmo título, no periódico
“Ecos de la Compañía”, da autoria da Irmã Juana Ezlizondo,
Filha da Caridade, ano/1997, capturado em
http://vincentians.com/es/santa-catalina-laboure-la-santa-del-silencio-2/
– Tradução e adaptação para o português do Brasil são nossos,
assim como alguns destaques.