A IMACULADA CONCEIÇÃO DE MARIA E O MUNDO
A
Imaculada Conceição
A
esta criatura dileta entre todas, superior a tudo quanto foi criado,
e inferior somente à Humanidade Santíssima de Nosso Senhor Jesus
Cristo, Deus conferiu um privilégio incomparável, que é a
Imaculada Conceição.
Em
virtude do pecado original, a inteligência humana se tornou sujeita
a errar, a vontade ficou exposta a desfalecimentos, a sensibilidade
ficou presa das paixões desregradas, o corpo por assim dizer foi
posto em revolta contra a alma.
Ora,
pelo privilégio de sua Conceição Imaculada, Nossa Senhora foi
preservada da mancha do pecado original desde o primeiro instante de
seu ser. E, assim, nela tudo era harmonia profunda, perfeita,
imperturbável. O intelecto jamais exposto a erro, dotado de um
entendimento, uma clareza, uma agilidade inexprimível, iluminado
pelas graças mais altas, tinha um conhecimento admirável das coisas
do Céu e da terra. A vontade, dócil em tudo ao intelecto, estava
inteiramente voltada para o bem, e governava plenamente a
sensibilidade, que jamais sentia em si, nem pedia à vontade algo que
não fosse plenamente justo e conforme à razão. – Imagine-se uma
vontade naturalmente tão perfeita, uma sensibilidade naturalmente
tão irrepreensível, esta e aquela enriquecidas e super-enriquecidas
de graças inefáveis, perfeitíssimamente correspondidas a todo o
momento, e se pode ter uma ideia do que era a Santíssima Virgem. Ou
antes se pode compreender por que motivo nem sequer se é capaz de
formar uma ideia do que a Santíssima Virgem era.
“Inimicitias
ponam”
Dotada
de tantas luzes naturais e sobrenaturais, Nossa Senhora conheceu por
certo a infâmia do mundo em seus dias. E com isto amargamente
sofreu.
Pois
quanto maior é o amor à virtude tanto maior é o ódio ao mal.
Ora,
Maria Santíssima tinha em si abismos de amor à virtude, e,
portanto, sentia forçosamente em si abismos de ódio ao mal. Maria
era pois inimiga do mundo, do qual viveu alheia, segregada sem
qualquer mistura nem aliança, voltada unicamente para as coisas de
Deus.
O
mundo, por sua vez, parece não ter compreendido nem amado Maria.
Pois não consta que lhe tivesse tributado admiração proporcionada
à sua formosura castíssima, à sua graça nobilíssima, a seu trato
dulcíssimo, à sua caridade sempre exorável, acessível, mais
abundante do que as águas do mar e mais suave do que o mel.
E
como não haveria de ser assim? Que compreensão poderia haver entre
Aquela que era toda do Céu, e aqueles que viviam só para a terra?
Aquela que era toda fé, pureza, humildade, nobreza, e aqueles que
eram todos idolatria, ceticismo, heresia, concupiscência, orgulho,
vulgaridade? Aquela que era toda sabedoria, razão, equilíbrio,
senso perfeito de todas as coisas, temperança absoluta e sem mácula
nem sombra, e aqueles que eram todos desmando, extravagância,
desequilíbrio, senso errado, cacofônico, contraditório, berrante a
respeito de tudo, e intemperança crônica, sistemática,
vertiginosamente crescente em tudo? Aquela que era a fé levada por
uma lógica adamantina e inflexível a todas as suas consequências,
e aqueles que eram o erro levado por uma lógica infernalmente
inexorável, também a suas últimas conseqüências? Ou aqueles que,
renunciando a qualquer lógica, viviam voluntariamente num pântano
de contradições, em que todas as verdades se misturavam e se
poluíam na monstruosa interpenetração de todos os erros que lhe
são contrários?
"Imaculado"
é uma palavra negativa. Ela significa etimologicamente a ausência
de mácula, e pois de todo e qualquer erro por menor que seja, de
todo e qualquer pecado por mais leve e insignificante que pareça. É
a integridade absoluta na fé e na virtude. É portanto a
intransigência absoluta, sistemática, irredutível, a aversão
completa, profunda, diametral a toda a espécie de erro ou de mal. A
santa intransigência na verdade e no bem é a ortodoxia, a pureza,
enquanto em oposição à heterodoxia e ao mal. Por amar a Deus sem
medida, Nossa Senhora correspondentemente amou de todo o Coração
tudo quanto era de Deus. E porque odiou sem medida o mal, odiou sem
medida Satanás, suas pompas e suas obras, o demônio, o mundo e a
carne. Nossa Senhora da Conceição é Nossa Senhora da santa
intransigência.
Postal do Primeiro Centenário do Dogma da Imaculada Conceição de Maria |
Verdadeiro
ódio, verdadeiro amor
Por
isto, Nossa Senhora rezava sem cessar. E segundo tão razoavelmente
se crê, Ela pedia o advento do Messias, e a graça de ser uma serva
daquela que fosse escolhida para Mãe de Deus. Pedia o Messias, para
que viesse Aquele que poderia fazer brilhar novamente a justiça na
face da terra, para que se levantasse o Sol divino de todas as
virtudes, espancando por todo o mundo as trevas da impiedade e do
vício. Nossa Senhora desejava, é certo, que os justos vivendo na
terra encontrassem na vinda do Messias a realização de seus anseios
e de suas esperanças, que os vacilantes se reanimassem, e que de
todos os países, de todos os abismos, almas tocadas pela luz da
graça levantassem voo para os mais altos píncaros da santidade.
Pois estas são por excelência as vitórias de Deus, que é a
Verdade e o Bem, e as derrotas do demônio, que é o chefe de todo
erro e de todo mal. A Virgem queria a glória de Deus por essa
justiça que é a realização na terra da Ordem desejada pelo
Criador. Mas, pedindo a vinda do Messias, Ela não ignorava que este
seria a Pedra de escândalo, pela qual muitos se salvariam e muitos
receberiam também o castigo de seu pecado. Este castigo do pecador
irredutível, este esmagamento do ímpio obcecado e endurecido, Nossa
Senhora também o desejou de todo o Coração, e foi uma das
conseqüências da Redenção e da fundação da Igreja, que Ela
desejou e pediu como ninguém, "Ut inimicos Sanctae Ecclesiae
humiliare digneris, Te rogamus, audi nos", canta a Liturgia.
E antes da Liturgia por certo o Coração Imaculado de Maria já
elevou a Deus súplica análoga, pela derrota dos ímpios
irredutíveis.
Admirável
exemplo de verdadeiro amor, de verdadeiro ódio.
Onipotência
Suplicante
Deus
quer as obras. Ele fundou a Igreja para o apostolado. Mas acima de
tudo quer a oração. Pois a oração é a condição da fecundidade
de todas as obras. E quer como fruto da oração a virtude.
Rainha
de todos os apóstolos, Nossa Senhora é entretanto principalmente o
modelo das almas que rezam e se santificam, a estrela polar de toda
meditação e vida interior. Pois, dotada de virtude imaculada, Ela
fez sempre o que era mais razoável, e se nunca sentiu em si as
agitações e as desordens das almas que só amam a ação e a
agitação, nunca experimentou em si, tampouco, as apatias e as
negligências das almas frouxas que fazem da vida interior um
para-vento a fim de disfarçar sua indiferença pela causa da Igreja.
Seu afastamento do mundo não significou um desinteresse pelo mundo.
Quem fez mais pelos ímpios e pelos pecadores do que Aquela que, para
os salvar, voluntariamente consentiu na imolação crudelíssima de
seu Filho infinitamente inocente e santo? Quem fez mais pelos homens,
do que Aquela que conseguiu se realizasse em seus dias a promessa do
Salvador?
Mas,
confiante sobretudo na oração e na vida interior, não nos deu a
Rainha dos Apóstolos uma grande lição de apostolado, fazendo de
uma e outra o seu principal instrumento de ação?
Aplicação
a nossos dias
Tanto
valem aos olhos de Deus as almas que, como Nossa Senhora, possuem o
segredo do verdadeiro amor e do verdadeiro ódio, da intransigência
perfeita, do zelo incessante, do espírito de renúncia completo, que
propriamente são elas que podem atrair para o mundo as graças
divinas.
Estamos
numa época parecida com a da vinda de Jesus Cristo à terra. Em 1928
escreveu o Santo Padre Pio XI que “o espetáculo das desgraças
contemporâneas é de tal maneira aflitivo, que se poderia ver nele a
aurora deste início de dores que trará o Homem do pecado,
elevando-se contra tudo quanto é chamado Deus e recebe a honra de um
culto” (Enc.
Miserentissimus Redemptor, de 8 de maio de 1928).
Que
diria ele hoje?
E a
nós, que nos compete fazer? Lutar em todos os terrenos permitidos,
com todas as armas lícitas. Mas antes de tudo, acima de tudo,
confiar na vida interior e na oração. É o grande exemplo de Nossa
Senhora.
O
exemplo de Nossa Senhora, só com o auxílio de Nossa Senhora se pode
imitar. E o auxílio de Nossa Senhora só com a devoção a Nossa
Senhora se pode conseguir. Ora, a devoção a Maria Santíssima no
que de melhor pode consistir, do que em Lhe pedirmos não só o amor
a Deus e o ódio ao demônio, mas aquela santa inteireza no amor ao
bem e no ódio ao mal, em uma palavra aquela santa intransigência,
que tanto refulge em sua Imaculada Conceição?
_________Plinio
Corrêa de Oliveira
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A MEDALHA MILAGROSA
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FONTE:
excertos do artigo publicado na revista Catolicismo n. 54 -
Setembro de 1954, sob o título “A Santa Intrangigência: Um
Aspecto da Imaculada Conceição” – O título é nosso. Texto
revisto e atualizado, com destaques acrescentados.
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