A ORAÇÃO «SANTÍSSIMA VIRGEM, CREIO E CONFESSO… »
(Continuação
do post anterior)
COMENTÁRIO
A
análise da mesma oração “Santíssima
Virgem”
nos revela a existência de duas partes bem definidas: a primeira,
compõe-se de uma dupla invocação ou saudação. A segunda parte,
por sua vez, contém sete petições que, na verdade, constituem uma
síntese das principais inquietudes espirituais e apostólicas de
Santa Luísa e de todas as Filhas da Caridade. As Irmãs, ao fazerem
sua esta oração, aspiram render culto e homenagem à Imaculada
Conceição, bem como desejam oferecerem-se à Virgem, em corpo e
alma, ao estilo de Luísa de Marillac, quando fez sua oblação à
Mãe de Deus em 1626. Ela mesma escreveria um ano mais tarde, em
1627:
“É
verdade que ao dizermos que és a Mãe do Filho de Deus, dizemos
tudo, porém, que admiráveis são em si mesmas todas as operações
da Mãe! Não sem razão a Santa Igreja a chama Mãe de misericórdia.
E assim és, porque és Mãe da graça”1.
A DUPLA INVOCAÇÃO OU SAUDAÇÃO A MARIA
A
dupla invocação contida na saudação: Santíssima
Virgem e
Puríssima
Virgem,
resumem como um eco daquela longínqua saudação do Anjo a Maria,
anunciando-lhe a encarnação do Verbo de Deus em seu seio:
Alegra-te,
cheia de graça.
O reconhecimento da santidade e pureza virginal de Maria servia à
Luísa de Marillac como um início, e continuava com a presença e
comunicação com a Mãe de Deus, conversa que culminava com as sete
petições dirigidas à única Mãe da Companhia para que obtivesse
de seu amado Filho as graças mais urgentes para ela e para toda a
Companhia das Filhas da Caridade, que no presente ou no futuro fariam
parte da comunidade. Apoiadas na mediação insubstituível do amado
Filho Jesus Cristo, fazem um ato de fé e amor antes de expressar
suas necessidades particulares e comunitárias.
Antigo postal do Centenário da proclamação do Dogma da Imaculada Conceição |
Após
a saudação vem a confissão de fé que as Irmãs fazem, à imitação
de sua fundadora: creem com o coração e confessam com os lábios
que Maria foi concebida sem pecado original em virtude da previsão e
aplicação dos méritos da paixão e morte de seu Filho. Confiadas
na gloriosa qualidade de Mãe de Deus e, por conseguinte, em sua
intercessão maternal, pedem as sete graças que consideram mais
prementes.
As
três primeiras referem-se ao revestimento
do espírito distintivo da Companhia,
pois, se lhes falta o espírito, falta-lhes tudo. A perseverança
na vocação se
faz tanto mais urgente quanto a paciência no serviço dos pobres e a
convivência fraterna em comunidade, que são a causa frequente do
abandono da vocação. O dom
de oração, obedece
à necessidade constante da ajuda e intimidade com Deus, para
manterem-se firmes e fieis em sua entrega a Deus. A vida
santa responde
à chamada universal de Deus à santidade, que as torna irreprováveis
diante d'Ele, pelo amor e pela caridade.
Finalmente,
pedem uma boa
morte que
coroe suas vidas de abnegação e de serviço, e as introduz na
“missão
do céu“,
onde tudo é amor.
As
causas e as razões, como se vê, para pedirem a graça e a bênção
a Deus, por meio de sua Santa Mãe, a Virgem Maria, não podem ser
mais emotivas: “Santíssima
Virgem
– dizia Luísa de Marillac –,
tem compaixão de todas as almas necessitadas, pelo Filho de Deus e
teu. Mostra a Justiça divina aos puríssimos seios que lhe
ofereceram o sangue derramado na morte de teu divino Filho para nossa
redenção, a fim de que o mérito desta seja aplicado a todas as
almas dos agonizantes, dando-lhes uma completa conversão e a nós,
alcançar-nos, com tuas súplicas, tudo aquilo que temos necessidade
para glorificar eternamente a Deus em tua Bem-aventurança essencial,
gozando, ainda, de tua eventual e visita, (normalmente)
concedida
aos bem-aventurados”2.
OS SETE PEDIDOS DE PRIMEIRA NECESSIDADE
Santa Luísa de Marillac, rogai por nós. |
As
Imãs começam com um clamor unânime (primeira petição), pedindo a
humildade,
virtude que distinguiu o Filho de Deus encarnado, pois se rebaixou
até fazer-se como um de nós, igual em tudo a nós, menos no pecado.
A humildade é a primeira das virtudes que constitui o espírito das
Filhas da Caridade, já que lhes faz ver a verdade do que são e têm.
Dirigindo-se a Maria, comentava Luísa: “Que
as pessoas… honrem teu estado puríssimo com a submissão,
dependência, confiança na Providência de Deus, imitando o
inesgotável abismo das virtudes que tua santa alma praticou durante
o tempo em que estiveste sujeita a teu Filho Jesus, por meio da
grande humildade que constantemente te colocava diante e à vista de
tudo o que Deus fazia em ti e o que tu eras n'Ele”3.
O
segundo pedido refere-se à caridade,
rainha e senhora de todas as virtudes, a que explica o nome da
comunidade e o fim a que se propôs ao nascer na Igreja e no mundo:
servir e amar a Jesus Cristo na pessoa dos pobres e enfermos,
corporal e espiritualmente, afetiva e efetivamente. Luísa tem tão
clara em sua mente e em seu coração esta necessidade que não
aceita dirigir-se à sua Imaculada Mãe sem lhe expressar a dita
necessidade que todos temos de praticar a caridade, a fim de viver,
com dignidade, nossa condição de filhos de Deus e filhos
espirituais de Maria.
Relativamente
à caridade entre as Irmãs, amor que leva à uma profunda união,
(Luísa) exortará um dia: “Parece-me
que para sermos fieis a Deus, devíamos viver em grande união umas
com as outras e, assim como o Espírito Santo provém da união do
Pai e do Filho, assim também a vida que voluntariamente temos levado
deve transcorrer nessa união dos corações, que impedirá de nos
indignarmos com as ações dos demais e nos comunicará uma
tolerância e paciência cordiais para com nosso próximo”4.
O
terceiro pedido é próprio dos simples que põem sua confiança no
Senhor, isto é, àqueles que se esforçam em adquirir a pureza
de coração, corpo e espírito,
virtude que leva a tudo fazer para agradar somente a Deus em nossos
pensamentos, palavras e obras, não aos homens, amigos das aparências
e vaidades. A simplicidade que aqui se pede não é outra que a que o
Evangelho reconhece como a bem-aventurança proclamada por Jesus:
“Bem-aventurados
os puros de coração, porque verão a Deus”
(Mt 5, 8). Luísa comprovou e tinha experiência que as Irmãs
verdadeiramente simples, Deus revela-lhes de modo particular os
segredos do Reino e da Caridade.
Santa Luísa acompanhada de uma Filha da Caridade em oração à Virgem Maria |
O
quarto pedido tem como objeto conseguir, por intercessão de Maria, a
perseverança
na vocação,
no tempo da tentação, provação e tribulação; perseverança que
deve ser entendida como fidelidade aos compromissos anexos à
vocação. Como indicávamos acima, é tanto mais necessária quanto
o serviço desinteressado dos pobres, (especialmente) quando torna-se
cansativo e decepcionante com o tempo, tornando cada dia mais difícil
a convivência entre umas e outras e a se deixarem arrastrar pelas
investidas provocadas pelas aparências enganosas do mundo. Por isso,
em carta de junho de 1642, Luísa animava Ir. Margarita Mongert:
“Seja
muito corajosa na desconfiança que deve ter de si mesma. O mesmo
digo a todas nossas queridas irmãs; desejo que todas estejam cheias
de um forte amor que as ocupe tão suavemente em Deus e tão
caritativamente no serviço dos pobres, que seus corações não
possam admitir pensamentos perigosos para sua perseverança. Ânimo,
não pensemos mais do que agradar a Deus pela prática exata de seus
santos mandamentos e conselhos evangélicos…”5.
O
quinto pedido visa obter de Maria o
dom da oração que
ela mesma recebeu, pois diz o Evangelho que (Ela) meditava em seu
coração o que ouvia e via em seu Filho (Lc 2, 19, 51). Ademais,
Luísa estava persuadida de que se faltasse o espírito de oração
na comunidade, esta se dissolveria, ao faltar-lhe o alimento
necessário para sustentar e manter a vocação. São tão conhecidos
por todos nós os pensamentos e sentimentos de Luísa acerca da
oração, que se faz desnecessário repeti-los para lembrá-los e
convencê-los do porquê de sua insistência na fidelidade à oração,
tanto pessoal como a comunitária.
O
sexto pedido gira em torno da santa
vida que
deve levar a Filha da Caridade, pois, do contrario, não convencerão
suas ações nem se distinguirão do resto dos cristãos, sem o que
levarão uma vida superficial, não obedecendo ao mandato do Senhor:
“Sede
perfeitos como é perfeito vosso Pai celestial”
(Mt 5, 47). Para Santa Luísa, a santidade consiste, efetivamente, na
acepção e cumprimento do desígnio de Deus, praticando o mandamento
do amor, que está acima de tudo: “Amarás
ao Senhor teu Deus, com todo o coração, com toda a alma, com toda a
mente e com todas as tuas forças”
(Mc 12, 30).
A
boa
morte,
objeto do sétimo e último pedido, vem coroar a vida de santidade da
Filha da Caridade, consumida em obras de caridade para com o próximo,
ao estilo de como São Paulo consumiu a sua correndo no estádio da
vida, a espera de alcançar a coroa da justiça que o Senhor
entregaria não só a ele, como a todos os que soubessem esperar com
amor sua manifestação (cf. II Tim 4, 7-8). No mais, a vida é
breve, uma viagem que nos leva à eternidade ou à “missão do
céu”, como dizia Vicente de Paulo.
CONCLUSÃO
Por
tudo o que foi dito e muito mais, explica-se a devoção das Filhas
da Caridade à Imaculada Conceição, que como a música de Soror
Carmen Pombo solenizam, de vez em quando, a reza do Rosário ou
outros atos litúrgicos ou paralitúrgicos marianos como o canto da
oração “Santíssima
Virgem”,
ao menos na Espanha. Embora não me conste, é provável que esta
mesma oração esteja musicada também em outras línguas e as Irmãs
a cantem com devoção, em honra da Imaculada Conceição.
Desde
o tempo dos fundadores, tanto na C.M. (Congregação da Missão) como
na Companhia das Filhas da Caridade, a solenidade da Imaculada se
celebra com especial fervor. Talvez por isso a comunidade foi
abençoada com as Aparições da Rue du Bac, em 1830. Os Superiores
Gerais acostumaram desde 1852 escrever todos os anos às Irmãs, por
ocasião da festa da Imaculada, uma carta circular exortando-as ao
amor e à imitação de nossa Mãe. Seu ato de consagração anual a
Maria Imaculada recorda hoje a todos aquele ato pelo qual Santa
Luísa, a 17 de outubro de 1644, oferecia a Deus, na Catedral de
Chartres, a nascente Companhia, “pedindo-lhe
sua destruição antes que se estabeleça contra sua santa
vontade…”6.
USE
A MEDALHA MILAGROSA
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FONTE:
Anuário
Março-Abril de 2011.
“À
Santa Luísa de Marillac no 351 aniversário de seu natalício, 15 de
março de 1660 - Antonino
Orcajo, C.M.
Ano de Publicação original: 2011
-
http://vincentians.com/es/la-oracion-santisima-virgen-creo-y-confieso/
- Tradução e adaptação para o português do Brasil é nossa,
assim como alguns destaques.
2
Id., p. 670.
3
Id., p. 669.
4
Id., p. 756.
5
Id., p. 82.
6
Id, p. 125.
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