Ó MARIA CONCEBIDA SEM PECADO, ROGAI POR NÓS QUE RECORREMOS A VÓS!

segunda-feira, 2 de setembro de 2019


A ORAÇÃO «SANTÍSSIMA VIRGEM, CREIO E CONFESSO… »



(Continuação do post anterior)

COMENTÁRIO

A análise da mesma oração “Santíssima Virgem” nos revela a existência de duas partes bem definidas: a primeira, compõe-se de uma dupla invocação ou saudação. A segunda parte, por sua vez, contém sete petições que, na verdade, constituem uma síntese das principais inquietudes espirituais e apostólicas de Santa Luísa e de todas as Filhas da Caridade. As Irmãs, ao fazerem sua esta oração, aspiram render culto e homenagem à Imaculada Conceição, bem como desejam oferecerem-se à Virgem, em corpo e alma, ao estilo de Luísa de Marillac, quando fez sua oblação à Mãe de Deus em 1626. Ela mesma escreveria um ano mais tarde, em 1627:

É verdade que ao dizermos que és a Mãe do Filho de Deus, dizemos tudo, porém, que admiráveis são em si mesmas todas as operações da Mãe! Não sem razão a Santa Igreja a chama Mãe de misericórdia. E assim és, porque és Mãe da graça1.

A DUPLA INVOCAÇÃO OU SAUDAÇÃO A MARIA


A dupla invocação contida na saudação: Santíssima Virgem e Puríssima Virgem, resumem como um eco daquela longínqua saudação do Anjo a Maria, anunciando-lhe a encarnação do Verbo de Deus em seu seio: Alegra-te, cheia de graça. O reconhecimento da santidade e pureza virginal de Maria servia à Luísa de Marillac como um início, e continuava com a presença e comunicação com a Mãe de Deus, conversa que culminava com as sete petições dirigidas à única Mãe da Companhia para que obtivesse de seu amado Filho as graças mais urgentes para ela e para toda a Companhia das Filhas da Caridade, que no presente ou no futuro fariam parte da comunidade. Apoiadas na mediação insubstituível do amado Filho Jesus Cristo, fazem um ato de fé e amor antes de expressar suas necessidades particulares e comunitárias.
Antigo postal do Centenário da proclamação
do Dogma da Imaculada Conceição

Após a saudação vem a confissão de fé que as Irmãs fazem, à imitação de sua fundadora: creem com o coração e confessam com os lábios que Maria foi concebida sem pecado original em virtude da previsão e aplicação dos méritos da paixão e morte de seu Filho. Confiadas na gloriosa qualidade de Mãe de Deus e, por conseguinte, em sua intercessão maternal, pedem as sete graças que consideram mais prementes.

As três primeiras referem-se ao revestimento do espírito distintivo da Companhia, pois, se lhes falta o espírito, falta-lhes tudo. A perseverança na vocação se faz tanto mais urgente quanto a paciência no serviço dos pobres e a convivência fraterna em comunidade, que são a causa frequente do abandono da vocação. O dom de oração, obedece à necessidade constante da ajuda e intimidade com Deus, para manterem-se firmes e fieis em sua entrega a Deus. A vida santa responde à chamada universal de Deus à santidade, que as torna irreprováveis diante d'Ele, pelo amor e pela caridade.

Finalmente, pedem uma boa morte que coroe suas vidas de abnegação e de serviço, e as introduz na “missão do céu“, onde tudo é amor.

As causas e as razões, como se vê, para pedirem a graça e a bênção a Deus, por meio de sua Santa Mãe, a Virgem Maria, não podem ser mais emotivas: “Santíssima Virgem – dizia Luísa de Marillac –, tem compaixão de todas as almas necessitadas, pelo Filho de Deus e teu. Mostra a Justiça divina aos puríssimos seios que lhe ofereceram o sangue derramado na morte de teu divino Filho para nossa redenção, a fim de que o mérito desta seja aplicado a todas as almas dos agonizantes, dando-lhes uma completa conversão e a nós, alcançar-nos, com tuas súplicas, tudo aquilo que temos necessidade para glorificar eternamente a Deus em tua Bem-aventurança essencial, gozando, ainda, de tua eventual e visita, (normalmente) concedida aos bem-aventurados2.

OS SETE PEDIDOS DE PRIMEIRA NECESSIDADE

Santa Luísa de Marillac, rogai por nós.

As Imãs começam com um clamor unânime (primeira petição), pedindo a humildade, virtude que distinguiu o Filho de Deus encarnado, pois se rebaixou até fazer-se como um de nós, igual em tudo a nós, menos no pecado. A humildade é a primeira das virtudes que constitui o espírito das Filhas da Caridade, já que lhes faz ver a verdade do que são e têm. Dirigindo-se a Maria, comentava Luísa: “Que as pessoas… honrem teu estado puríssimo com a submissão, dependência, confiança na Providência de Deus, imitando o inesgotável abismo das virtudes que tua santa alma praticou durante o tempo em que estiveste sujeita a teu Filho Jesus, por meio da grande humildade que constantemente te colocava diante e à vista de tudo o que Deus fazia em ti e o que tu eras n'Ele3.

O segundo pedido refere-se à caridade, rainha e senhora de todas as virtudes, a que explica o nome da comunidade e o fim a que se propôs ao nascer na Igreja e no mundo: servir e amar a Jesus Cristo na pessoa dos pobres e enfermos, corporal e espiritualmente, afetiva e efetivamente. Luísa tem tão clara em sua mente e em seu coração esta necessidade que não aceita dirigir-se à sua Imaculada Mãe sem lhe expressar a dita necessidade que todos temos de praticar a caridade, a fim de viver, com dignidade, nossa condição de filhos de Deus e filhos espirituais de Maria.

Relativamente à caridade entre as Irmãs, amor que leva à uma profunda união, (Luísa) exortará um dia: “Parece-me que para sermos fieis a Deus, devíamos viver em grande união umas com as outras e, assim como o Espírito Santo provém da união do Pai e do Filho, assim também a vida que voluntariamente temos levado deve transcorrer nessa união dos corações, que impedirá de nos indignarmos com as ações dos demais e nos comunicará uma tolerância e paciência cordiais para com nosso próximo4.

O terceiro pedido é próprio dos simples que põem sua confiança no Senhor, isto é, àqueles que se esforçam em adquirir a pureza de coração, corpo e espírito, virtude que leva a tudo fazer para agradar somente a Deus em nossos pensamentos, palavras e obras, não aos homens, amigos das aparências e vaidades. A simplicidade que aqui se pede não é outra que a que o Evangelho reconhece como a bem-aventurança proclamada por Jesus: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5, 8). Luísa comprovou e tinha experiência que as Irmãs verdadeiramente simples, Deus revela-lhes de modo particular os segredos do Reino e da Caridade.
Santa Luísa acompanhada de uma Filha da Caridade em oração
à Virgem Maria

O quarto pedido tem como objeto conseguir, por intercessão de Maria, a perseverança na vocação, no tempo da tentação, provação e tribulação; perseverança que deve ser entendida como fidelidade aos compromissos anexos à vocação. Como indicávamos acima, é tanto mais necessária quanto o serviço desinteressado dos pobres, (especialmente) quando torna-se cansativo e decepcionante com o tempo, tornando cada dia mais difícil a convivência entre umas e outras e a se deixarem arrastrar pelas investidas provocadas pelas aparências enganosas do mundo. Por isso, em carta de junho de 1642, Luísa animava Ir. Margarita Mongert: “Seja muito corajosa na desconfiança que deve ter de si mesma. O mesmo digo a todas nossas queridas irmãs; desejo que todas estejam cheias de um forte amor que as ocupe tão suavemente em Deus e tão caritativamente no serviço dos pobres, que seus corações não possam admitir pensamentos perigosos para sua perseverança. Ânimo, não pensemos mais do que agradar a Deus pela prática exata de seus santos mandamentos e conselhos evangélicos…5.

O quinto pedido visa obter de Maria o dom da oração que ela mesma recebeu, pois diz o Evangelho que (Ela) meditava em seu coração o que ouvia e via em seu Filho (Lc 2, 19, 51). Ademais, Luísa estava persuadida de que se faltasse o espírito de oração na comunidade, esta se dissolveria, ao faltar-lhe o alimento necessário para sustentar e manter a vocação. São tão conhecidos por todos nós os pensamentos e sentimentos de Luísa acerca da oração, que se faz desnecessário repeti-los para lembrá-los e convencê-los do porquê de sua insistência na fidelidade à oração, tanto pessoal como a comunitária.

O sexto pedido gira em torno da santa vida que deve levar a Filha da Caridade, pois, do contrario, não convencerão suas ações nem se distinguirão do resto dos cristãos, sem o que levarão uma vida superficial, não obedecendo ao mandato do Senhor: “Sede perfeitos como é perfeito vosso Pai celestial” (Mt 5, 47). Para Santa Luísa, a santidade consiste, efetivamente, na acepção e cumprimento do desígnio de Deus, praticando o mandamento do amor, que está acima de tudo: “Amarás ao Senhor teu Deus, com todo o coração, com toda a alma, com toda a mente e com todas as tuas forças” (Mc 12, 30).

A boa morte, objeto do sétimo e último pedido, vem coroar a vida de santidade da Filha da Caridade, consumida em obras de caridade para com o próximo, ao estilo de como São Paulo consumiu a sua correndo no estádio da vida, a espera de alcançar a coroa da justiça que o Senhor entregaria não só a ele, como a todos os que soubessem esperar com amor sua manifestação (cf. II Tim 4, 7-8). No mais, a vida é breve, uma viagem que nos leva à eternidade ou à “missão do céu”, como dizia Vicente de Paulo.

CONCLUSÃO


Por tudo o que foi dito e muito mais, explica-se a devoção das Filhas da Caridade à Imaculada Conceição, que como a música de Soror Carmen Pombo solenizam, de vez em quando, a reza do Rosário ou outros atos litúrgicos ou paralitúrgicos marianos como o canto da oração “Santíssima Virgem”, ao menos na Espanha. Embora não me conste, é provável que esta mesma oração esteja musicada também em outras línguas e as Irmãs a cantem com devoção, em honra da Imaculada Conceição.

Desde o tempo dos fundadores, tanto na C.M. (Congregação da Missão) como na Companhia das Filhas da Caridade, a solenidade da Imaculada se celebra com especial fervor. Talvez por isso a comunidade foi abençoada com as Aparições da Rue du Bac, em 1830. Os Superiores Gerais acostumaram desde 1852 escrever todos os anos às Irmãs, por ocasião da festa da Imaculada, uma carta circular exortando-as ao amor e à imitação de nossa Mãe. Seu ato de consagração anual a Maria Imaculada recorda hoje a todos aquele ato pelo qual Santa Luísa, a 17 de outubro de 1644, oferecia a Deus, na Catedral de Chartres, a nascente Companhia, “pedindo-lhe sua destruição antes que se estabeleça contra sua santa vontade…6.





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FONTE: Anuário Março-Abril de 2011. “À Santa Luísa de Marillac no 351 aniversário de seu natalício, 15 de março de 1660 - Antonino Orcajo, C.M. Ano de Publicação original: 2011 - http://vincentians.com/es/la-oracion-santisima-virgen-creo-y-confieso/ - Tradução e adaptação para o português do Brasil é nossa, assim como alguns destaques.

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1 SLM. o. c., p. 763.

2 Id., p. 670.

3 Id., p. 669.

4 Id., p. 756.

5 Id., p. 82.

6 Id, p. 125.

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