NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS NO PLANO DE DEUS
“Toda
criatura, antes de existir no tempo, existiu na eternidade, dentro
dos eternos desígnios de Deus. Para Deus não houve passado e nem
haverá futuro. Existe, existiu e existirá sempre o eterno presente,
pelo conhecimento atual de tudo, conhecimento esse que é, n'Ele,
Deus, uma atualização eterna das causas. A história do mundo e das
criaturas, é escrita e lida eternamente por Deus num presente sem
principio e sem termo.
E
é assim que Maria Santíssima existiu, no seio e no pensamento de
Deus, eternamente.(1)
E pode-se até dizer, mais que de outra criatura, Deus ocupou-se
d'Ela, pois nenhuma outra mais intimamente está com Ele relacionada.
São
Bernardo chega a afirmar que Maria Santíssima é a 'obra da eterna
idealização de Deus' - opus oeterni
concilii - e a sua 'preocupação de todos
os séculos' - negotium soeculorum.(2)
'É
uma coisa inconcebível diz o Venerável Olier – como Deus, desde a
eternidade, antes da formação de todas as criaturas, trazia
presente a seu espírito esta divina Esposa. Para Ele não há futuro
nem passado; tudo é presente aos seus olhos: na luz eterna: Ele vê
distintamente todas as causas. Desde toda a eternidade havia,
portanto, no Pai, um caráter, uma figura, que representava Jesus
Cristo e sua Mãe, e, desde então, estava Maria tão presente aos
olhos e ao espírito de Deus, como se já fora formada, como se
estivera já efetivamente no mundo'.
E
por que e como se ocupava Deus de Nossa Senhora desde a eternidade? A
resposta a estas perguntas põe-nos em face do mistério da Mediação
universal de Maria no plano salvífico.
POR
QUE ENTRA MARIA NO PLANO DIVINO
Por
que estava Maria no pensamento eterno de Deus? Por causa do seu
grande, do seu impreterível papel na obra divina.
A
principal circunstância de uma realização qualquer preocupa
constantemente a seu idealizador. E foi o que aconteceu com Deus em
face de nossa salvação; querendo salvar-nos, e querendo salvar-nos
por nós o quanto possível tornou-se circunstância principalíssima
desta realização a Mulher que o coadjuvaria neste divino mistério.
E foi por isto que Maria Santíssima entrou nas preocupações de
Deus juntamente com os mistérios eternos do divino Filho.
Longe
de nós afirmar qualquer dependência em Deus.
Maria
SS. é uma circunstância principalíssima na obra redentora, mas não
era absolutamente necessária à execução dos divinos mistérios.
Poderia Deus, se o quisesse, providenciar de outro modo ao resgate do
gênero humano.
Anunciação de Maria |
A
verdade, porém, é que não o quis. Tal foi o seu desígnio eterno:
que o Verbo se encarnasse; e que se incarnasse em Maria Virgem; que
associasse a toda a obra divina de nossa salvação uma mulher. E
isto Deus o quis desde toda a eternidade, e o quis irrevogavelmente.
Já então Nossa Senhora se torna uma circunstância necessária por
'necessidade de fato, vista a preordenação do plano divino.
Esta necessidade não nasce de precisão alguma de Deus, mas do fato
de Ele assim querer eternamente.
Logo,
Maria SS., pelo querer de Deus, recebeu um papel impreterível e
grandioso na obra de Deus. E Deus não pôde deixar de tê-la sempre
diante dos olhos e devotar-lhe um amor de predileção. A Ela,
principalmente, diz Deus: In charitate perpetua dilexi te.(3)
No
plano divino aparecem, por isto, unidos, numa só visão,
eternamente, o Verbo Encarnado e Maria, sua Mãe.(4)
Não podem ser desunidos no pensamento do Altíssimo e, como tal,
jamais deverão ser separados no amor das criaturas.
COMO
ENTRA MARIA NO PLANO DIVINO
E
como entra a SS. Virgem nesta idealização eterna?
Totalmente,
respondemos. Isto é, Maria não entra e não pode entrar nos
segredos irrevogáveis de Deus como um auxílio secundário e
esporádico, que, uma vez utilizado, vai perder sua razão de
ser. Sua inclusão no plano salvífico é total porque divina
e irrevogável.
Maria,
por assim dizer, preocupa Deus eternamente, devido à excelência e à
extensão de seu papel. Trata-se de formar uma digna Mãe de Deus
no tempo e trata-se de outorgar-lhe um papel tão extenso e durável
quanto toda a obrá 'ad-extra' de Deus.
O
Infinito não faz as suas obras pela metade e nem imperfeitamente.
Logo, Maria será o que há de mais excelente em dignidade ede mais
duradouro em sua função. A sua atuação na grande obra de Deus
será tão duradoura quanto esta própria obra.
Não
se trata, pois, somente, da predestinação inaudita à maternidade
divina, o que é uma visão parcial do desígnio eterno sobre
Maria. Trata-se da predestinação da Virgem a tudo o que se realizar
mediante a Encarnação do Verbo.
Tem-se
salientado suficientemente a idealização eterna de uma Mãe de
Deus, ornada de todos os favores, privilégios e graças. Mas
tem-se esquecido que Nossa Senhora não é só isso. Deus idealizou
sua Mãe completa, que é também nossa Mãe na ordem da graça.
Se
idealizou-a em ordem à Encarnação, idealizou-a também em ordem à
Redenção, em ordem à Eucaristia, em ordem à organização da
Igreja, em ordem à Mediação universal. Porventura não tem Maria
SS. o seu papel em tudo isto? Portanto, a tudo isto foi predestinada
'ab oeterno'.(5)
Maria, Sede da Sabedoria |
CONSEQUÊNCIAS
PARA A TEOLOGIA
A
predestinação de Nossa Senhora assim compreendida mostra-nos que
todas as graças que Deus lhe predestinou têm um alcance mais vasto
do que simplesmente prepará-la à Maternidade divina.
Destinam-se a prepará-la à Mediação universal das graças.
Toda
a relação eterna de Deus para com Maria, se assim posso dizer,
tende, portanto, mais sinteticamente, a formar a divina Medianeira
entre Deus e os homens. A formação da Medianeira universal
inclui a formação da Mãe divina.
Sob
este aspecto, a teologia marial recebe um novo fulgor muito mais caro
ao coração do homem, para quem em última análise Maria Santíssima
é idealizada nos planos de Deus. Vê-se então a Deus como 'summum
bonum, diffusivum sui', cogitando de dar-se a nós por meio de
Maria ao mesmo tempo que cogita receber alguma coisa de nós por meio
de Maria.
A
preparação de Nossa Senhora, quer pela sua Conceição
Imaculada, quer pelo crescimento contínuo de suas graças em
várias plenitudes, projeta-se, portanto, na totalidade da obra
salvífica de Maria, ou seja, na Mediação, e não só na sua
Maternidade divina. E é neste sentido que podemos falar, com
exatidão teológica, de Nossa Senhora das Graças no plano
eterno de Deus.
A
última realidade na execução é a primeira nos planos, sentenciam
os filósofos. Sobretudo em Deus, é isto verdade de longo alcance. O
que por último se executa no tempo foi o que por primeiro se
idealizou na eternidade.
E,
na ordem do desenvolvimento dos dogmas marianos, assim como o último
que se propõe às almas é a Mediação de Maria, assim foi
ele o primeiro intencionado nos planos divinos.
O
FATO DA MEDIAÇÃO NO EVANGELHO
No reverso da Medalha Milagrosa, os Corações (dolorosos) de Jesus e Maria estão unido;, a cruz está entrelaçada - como que apoiada - sobre o M de Maria |
Por
isto mesmo, nada que tenha mais plena realização no Evangelho e na
história da Igreja do que a Mediação de Maria. Nossa Senhora aí
aparece ligada a toda a estrutura vital do cristianismo. Ela está no
princípio da vida cristã – a Encarnação – e prende-se tão
intimamente com Jesus Cristo, Verbo Encarnado, que é d'Ele
inseparável no tempo e na eternidade.
Impossível
separar Cristo de sua divina Mãe em todos os mistérios, desde a
própria Trindade, cujo Verbo, anteriormente ao tempo, já se
determinara a ser o Filho de Maria.
Nasceu
a Vida nova, sobrenatural, para os cristãos, graças ao sangue de
Cristo Redentor. E Maria foi quem lhe deu este sangue, quem formou
nas puríssimas entranhas o corpo sacrossanto, Vítima futura do
Calvário, de cujo lado aberto nasceu a Vida. É Maria, continuando a
ser um fato no plano salvífico.
Deste
mesmo Coração trespassado de Cristo nasce a Igreja, Esposa de Jesus
– diz Sto. Ambrósio.(6) E Maria SS. é, não só a primeira que à
Igreja se incorpora, mas também a primeira que a assiste, conforta e
ensina, continuando, com os Apóstolos, a obra de Jesus. Muito mais
que simples incorporada e continuadora, com os Apóstolos, da obra de
Cristo, Maria – primeira resgatada e incorporada – começa logo a
cooperar com Jesus na própria Redenção objetiva. É
Corredentora, não no sentido vulgar em que nós também podemos ser
corredentores, na aplicação dos méritos, mas lá, na aquisição
deles.
Nos
primórdios da Igreja nascente, Nossa Senhora já era a Senhora dos
primeiros cristãos, a Mãe de todos eles, não por título de
afeição, mas por ordenação divina. Mediante Maria, comunicava
Deus as primeiras graças à sua Igreja.
Vão
os Apóstolos para o Cenáculo. Está a sociedade divino-humana que
Jesus fundou prestes a ser promulgada solenemente com a descida do
Paráclito. E Maria Santíssima lá está com a Igreja, orando, e
certamente instruindo. Inegável à luz da mais sã teologia que a
prece da Virgem forçou poderosamente o coração do Pai e do Filho
para a missão visível do Espírito Santo, como anteriormente
abreviara as esperanças do Messias, apressando a Encarnação do
Verbo. E é por isto que o Autor do Atos tem o particular cuidado de
mencionar-lhe o nome entre os Apóstolos reunidos no Cenáculo:
Omne.s erant perseverontes unanimiier in oratione um ... Maria
Matre Jesu ... É o fato de Maria no plano sobrenatural
prolongando-se em todos os mistérios. Encarnação, Redenção,
fundação da Igreja, vinda do Espirito Santo, fração
do pão ou Eucaristia – e consequentemente a vida cristã
através dos séculos, a qual dimana destes mistérios – tudo está
preso, inquebrantavelmente à oração de Maria, à Mediação
universal de Maria.
CONCLUSÃO
Grande
e sublime verdade! Deus quis, desde a eternidade, que uma simples
mulher regesse, a bem dizer, toda a vida sobrenatural dos homens.
Maria SS. é a impreterível Medianeira entre Cristo e nós.
A
sim querido este "fato" desde o principio dos tempos, até
o fim dos mesmos tempos Deus o levará à execução.
Começará
por preparar Maria. A infinidade de seus dons, Deus os derramará em
Maria. Totius boni plenitudinem posuit in Maria – diz São
Bernardo.(7) E Ela há-de ser "cheia de graça" – gratia
plena.
E
tudo terminará por constituí-la Deus Dispenseira destes
mesmos bens. E a não ser por Ela e d'Ela, ninguém receberá a
graça de Deus. Omnia nos habere voluit per manas Mariae,
completa S. Bernardo.(8)
Cheia
de graça para si, Deus a quis mais cheia ainda para nós. Plena
sibi, superplena nobis.
Sim,
tudo o que descer do céu será embalsamado pelo fragor de suas
preces e trará o hálito celeste de seus beijos de Mãe!"
_________________
(1)
"Ce n'est pas seulement au moment où il allait réalizer ses
promessas miséricordieuses et donner à la terra le Redempteur qu'il
lui avait annoncé, que Dieu se préocupa de choisir une mere pour
son Fils. De toute éternité, la creature bénie qu'il devait
associer à sou oeuvre du salut avait été présente à sa pensée.
L'Égllse nous l'affirme de la façon plus formelle lorsqu'elle
appllque à larie, dans sa liturgia, les pa- roles qui ont été
dites de la Sagesse éternelle". (Ganiguet - La Viège Marie,
7ème édit., p. 9)
(2)
Sermo II De Pentecoste.
(3)
Jer. 31, 31
(4)
Ex Bulia (logmatica Pii Papae IX - "... Ab inltio et ante
soecula unigenito Filio suo Matrem, ex qua caro factus in beata
temporum plenitudine na.sceretur, elegit atque ordinavit, tantoque
prae creaturis universis est prosecutus ama- re... " "Ipsissima
Verba, quibus divinae Scripturae de increa- ta Saplentia loquuntur,
ejusque sempiternas origines reprae- sentant, consuevit Ecclesia.,
tum in ecclesiasticis officiis, tum in sacrosancta liturgia aãhibere
et ad illius Virginis primor- dia transferre, quae uno eodemquc
decreto cum divinae Sapientiae fncarnatione fuerant praestituta".
(5)
Sintetizando o pensamento tomista sobre o assunto, veja-se:
Garrigou-Lagrange, LA SYNTHÊSE THOMISTE, Ivè-me P., chap.
VI; veja-se também: Roschini, MARIOLOGIA, I. T., P. I, Sectio
I; e Bover, ESTUDIOS MARIANOS, I (1942), 103-165.
(6)
In.
Luc.
II, 87 (Migne - P. L. XV, 1585).
(7)
Sermo de Aquaeductu.
(8)
In.
Virg. Nat., Sermo III
☛ NOTA:
Para ler mais sobre “Maria “Dispensadora de Todas as Graças”,
acesse nossa postagem anterior no marcador
Temas Marianos, à sua esquerda, sob o título "A Virgem Imaculada, 'Dispensadora de Todas as Graças'".
USE
A MEDALHA MILAGROSA
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FONTE:
opúsculo Nossa Senhora das Graças - Estudos Doutrinários,
Pe. Antônio Miranda, S.D.N., Editora Luzes/1952, Primeira Parte:
Maria, Cheia de Graça, Cap. I, pp. 19=26 - Texto revisto e
atualizado, alguns destaques acrescentados)
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