O TESTAMENTO DE SANTA CATARINA LABOURÉ
Fotografia autêntica de Santa Catarina Labouré tirada em vida, em 1876, pouco antes de sua morte, e a assi- natura é um fac-símile. |
Testamento? Como assim?
No sentido corrente do
vocábulo, especialmente no âmbito jurídico, é de um ato pelo qual
alguém dispõe de seus bens, na sua totalidade ou parte deles, para
depois de sua morte (espécie de ato de última vontade).
Infelizmente, tais atos de última vontade terminam gerando enormes
confusões entre seus beneficiários.
Na vida dos Santos, o
sentido não difere muito, mas eles não deixam, em regra, bens
materiais para possíveis herdeiros. Em geral, são recomendações,
exortações, ensinamentos, testemunho de vida e conversão, e,
eventualmente, algum bem que possuíram em vida. Mas, ao contrário
dos Testamentos mundanos, não costumam gerar brigas e discórdias,
são luzes para o caminho daqueles que desejam servir a Deus seguindo
o exemplo de vida do autor do Testamento.
Nas
obras que narram a vida do Poverello
de Assis,
São Francisco de Assis, há um livro denominado “Testamento de São
Francisco”, que constitui “sua
última vontade, o patrimônio que recolheu em sua breve, mas intensa
vida evangélica, o tesouro do seu coração que agora deixa como
herança, ou seja, como possibilidade de toda uma vida que seus
seguidores podem e devem assumir, aprofundar e fazer frutificar.”1
É com esse objetivo
que, prescrutando a vida da Santa Vidente de Nossa Senhora em 1830,
encontramos uma espécie de testamento oral deixado por ela pouco
antes de sua morte, no dia anterior de sua partida para o céu.
Pois bem.
Corria
o ano de 1876, e a irmã Catarina Labouré continuava no Asilo de
Enghien, situado no número 77 da rua Reuilly, Paris, cuidando dos
idosos ali asilados, e naquele lugar estava desde o fim de seu
período de formação, em 5 de Fevereiro de 1831. Entretanto, a
Santa sabia que se aproximava o momento de sua partida para o céu, e
a cada festividade ou celebração anual que participava, dizia: “É
a última vez que celebro esta festa”,
“Eu
não verei o ano próximo …”,
ou, ainda, “Não
querem me acreditar, mas repito que não verei o ano de 1877”.
Jardim do Asilo d'Enghien, muito apreciado por Santa Catarina no período que residiu lá; |
Já era a decana no
Asilo desde 25 de Novembro de 1871, após o falecimento da Irmã mais
velha, Vicente Bergerot, e, à época, Irmã Catarina já contava 65
anos de idade, porém, desde agosto de 1876 suas forças se
declinavam a olhos vistos, tanto que precisou guardar o leito, a fim
de aliviar suas crises de asma, tosse e dores nos joelhos.
Vendo
aproximar-se sua hora, o pensamento da morte não lhe deixava, e
continuava dizendo “Eu
não verei o ano próximo, e quando eu morrer, não será preciso
levar meu corpo para o cemitério, será enterrado debaixo da
capela.”2
Essa profecia se concretizou, tendo sido inicialmente enterrada num
túmulo construído embaixo do assoalho da capela do Asilo, ainda não
usado por ninguém, por vontade da Superiora, à época, Irmã Mazin.
Em
Novembro daquele ano, já bem melhor, obteve autorização de
participar do retiro anual na Casa-Mãe das Filhas da Caridade, na
rue
du Bac,
140, local das aparições da Santíssima Virgem. Participou
ativamente de todos os exercícios juntamente com as demais irmãs,
como o de permanecer ajoelhada nos momentos apropriados, embora fosse
a mais idosa e sofresse das doenças antes citadas.
Antiga fotografia do interior da Capela da Rue du Bac, local das Aparições de 1830. |
O que houve, Irmã
Catarina? – Perguntou irmã Dufès.
Ela
mostrou o punho enfaixado do outro braço e respondeu alegremente: –
Ah, irmã, estou levando meu buquê. Todos os anos a Virgem Santa o
manda deste modo!
Catarina tomava como
dádiva as alegrias e infortúnios. Irmã Charvier não ficou menos
chocada.
– Ela lhe faz cada
uma, a Virgem Santa!
Catarina respondeu com
muita calma:
–
Quando
a Virgem Santa nos manda um sofrimento, é uma graça que recebemos!
Sim,
tudo era graça para Santa Catarina.”3
No Jardim do Asilo de Enghien, havia uma estátua da Santíssima Virgem, pe- rante a qual Santa Catarina Labouré fa- zia diariamente uma curta oração. |
Santa
Catarina então soprou-lhe estas palavras: “Nada
posso dizer,
murmurou a moribunda, inclinando-se;
compete ao Padre Chavalier
– diretor das Filhas da Caridade – dizer
o que sabe”4.
Mas acrescentou:
“Cuide para que rezem; que o bom Deus inspire os superiores a honrar Maria Imaculada. É o tesouro da comunidade. Que rezem o rosário. As vocações serão numerosas … se forem aproveitadas. Elas diminuirão se não forem fieis à regra, à Imaculada Conceição, ao rosário. Já não somos suficientes servas dos pobres. É preciso que as postulantes vão aos hospitais, para aprenderem a se superar.”5
No
dia seguinte, 31 de Dezembro de 1876, às 19 horas, rodeada por suas
irmãs de Congregação, que recitavam as orações dos agonizantes,
a Ladainha da Imaculada Conceição e outras preces, a Vidente da
Santíssima Virgem deixava este mundo, rumo ao repouso eterno, ou,
como costumava dizer quando era questionada se não tinha medo da
morte: “Medo?
Por que hei de ter medo, se vou encontrar a Nosso Senhor, Maria
Santíssima e S. Vicente?”6
Eis,
portanto, a nosso ver, o “Testamento” de Santa Catarina Labouré:
honrar
Maria Imaculada, por meio da fidelidade à regra, à Imaculada
Conceição e ao Rosário.
Sem dúvida, essas
exortações da Vidente da Virgem Imaculada, inicialmente,
destinavam-se às suas irmãs da Congregação das Filhas da
Caridade; no entanto, podem ser por nós também seguidas, observadas
e praticadas. A “fiel observância à regra”, traduz-se na fiel
observância – leia-se, obediência – aos Mandamentos de Deus e
da Igreja, na fiel observância de nossas obrigações de estado
(solteiros, casados ou viúvos), obrigações profissionais e, em
especial, a prática do verdadeiro amor em nossas relações
interpessoais, a caridade para com os pobres e necessitados …
Antigo postal da Santa, do período anterior à sua canonização. |
São nas relações com
o outro que temos a oportunidade de exercitar o amor ao próximo, o
perdão, a caridade. Com as diferenças, aprendemos a tolerância.
Com aqueles de difícil relacionamento, aprendemos a ter paciência.
São apenas alguns exemplos dos frutos que podemos colher das
relações interpessoais.
A
devoção “à Imaculada Conceição”, consistente na prática de
uma autêntica devoção à Virgem Imaculada, ou seja, na imitação
de suas virtudes, na preparação e realização de novenas e
procissões por ocasião de das festas que a Igreja lhe reconhece, e
outras também de natureza particular, na propagação da Medalha
Milagrosa,
que tantos prodígios tem operado nestes quase 200 anos de sua
revelação, além de outras que já fazem parte de nossa vida
devota.
Santa Catarina nos
deixou um maravilhoso exemplo da verdadeira devoção à Virgem
Imaculada: acolher como graça as alegrias e infortúnios que lhe
sobreviessem, como o pequeno acidente narrado acima, sofrido após
ter participado da festa da Imaculada Conceição.
O “Santo Rosário”,
essa devoção tão cara a Nossa Senhora, sempre lembrada por Ela em
suas aparições, sobretudo nas de Lourdes e Fátima, como poderoso
instrumento de conversão, de defesa contra os ataques dos demônios,
remédio para as diversas enfermidades da alma, do coração e do
corpo, de alívio às almas do purgatório, de paz para o mundo.
Quantas graças
alcançadas pelas pessoas que têm em seu cotidiano a prática dessa
devoção. De quantos perigos já foram livradas, por meio da oração
do Rosário?
São
João Paulo II, inicia sua Carta Apostólica Rosarium
Virginis Mariae,
de 16.10.2002, afirmando: “O
Rosário da Virgem Maria (Rosarium
Virginis Mariae),
que ao sopro do Espírito de Deus se foi formando gradualmente no
segundo Milênio, é oração amada por numerosos Santos e estimulada
pelo Magistério. Na sua simplicidade e profundidade, permanece,
mesmo no terceiro Milênio recém iniciado, uma oração de grande
significado e destinada a produzir frutos de santidade. Ela
enquadra-se perfeitamente no caminho espiritual de um cristianismo
que, passados dois mil anos, nada perdeu do seu frescor original, e
sente-se impulsionado pelo Espírito de Deus a «fazer-se
ao largo»
(duc
in altum!)
para reafirmar, melhor «gritar» Cristo ao mundo como Senhor e
Salvador, como «caminho,
verdade e vida»
(Jo
14,
6), como «o fim da história humana, o ponto para onde tendem os
desejos da história e da civilização»”7
São caminhos que nos
levarão, um dia, a desfrutar as alegrias eternas junto a Nosso
Senhor, a Maria Santíssima, São Vicente, Santa Catarina Labouré e
tantos outros bem-aventurados.
Que Santa Catarina
Labouré interceda por nós junto a Deus e à Virgem Imaculada.
Por Maria a Jesus!
Sou Todo Teu, Maria.
Sou Todo Teu, Maria.
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1 cf.
“Fontes Franciscanas”, Edição Comemorativa do Oitavo
Centenário da Conversão de São Francisco (tradução do original
latino “Fontes Franciscani”), Editora Mensageiro de anto
Antônio, Santo André-SP, 2005, 1ª Parte, 2. Testamentos, p. 81.
2 CASTRO,
Padre Jerônimo Pereira de. Santa Catarina Labouré e a Medalha
Milagrosa, Editora Vozes, 2ª edição/1951, p. 229.
3 LAURENTIN,
René. “Catarina Labouré Mensageira de Nossa Senhora das Graças
e da Medalha Milagrosa”, Edições Paulinas, São Paulo/2012, p.
108.
4 CASTRO,
Pe. Jerônimo Pereira de. op. cit., p. 235.
5 LAURENTIN.
René. op. cit. p. 114.
6 CASTRO,
Pe. Jerônimo de. op. cit., p. 236.