SOLENIDADE DA SANTA MARIA, MÃE DE DEUS
«Salve,
ó Santa Mãe de Deus, vós destes à luz o Rei que governa o céu e
a terra pelos séculos eternos.»
(Sedúlio)1
Hoje
– o primeiro dia do novo ano – a Igreja celebra a Solenidade de
SANTA
MARIA MÃE DE DEUS,
e por esta solenidade nos lembra também que a paz nos veio por meio
d'Aquela que gerou e deu ao mundo o PRÍNCIPE
DA PAZ (Isaías 9,6), da verdadeira paz, da paz evangélica de que nos fala o próprio
Cristo: «Deixo-vos
a paz, a minha paz vos dou» (João 14,27).
Beato Paulo VI. Foi papa entre 1963 e 1978. |
Falo
sobre paz, embora o nosso tema seja o dogma da Maternidade
Divina de Maria,
porque hoje, 1º de Janeiro, celebra-se também o Dia
Mundial da Paz,
instituído por sua Santidade o Papa Paulo VI, em 1967, expressando o
desejo que essa celebração não se restringisse apenas
aos Católicos, mas se difundisse a toda humanidade: “A
proposta de dedicar à paz o primeiro dia do novo ano não tem a
pretensão de ser qualificada como exclusivamente nossa, religiosa ou
católica. Antes, seria para desejar que ela encontrasse a adesão de
todos os verdadeiros amigos da paz.”2,
ou seja, o desejo do Santo Padre era o de que sua iniciativa fosse
aderida por todo orbe, através de uma sincera e consciente adesão,
reconhecendo-se esse dom como meio eficaz de nos livrar, e libertar,
de conflitos bélicos que ceifam tantas vidas inocentes. Questão não
menos atual e preocupante em nos nossos dias.
A
propósito, na primeira aparição da Virgem Imaculada a Santa
Catarina Labouré, em Julho de 1830, foram anunciadas grandes
desgraças para o mundo inteiro, especialmente para a França, e nas
vezes que Nossa Senhora falava desses terríveis acontecimentos, a
Santa notava a tristeza em seu semblante, especialmente quando se
referia à perseguição à Igreja, desciam lágrimas de seus olhos.
Esse sentimentos de preocupação e sofrimento expressados pela
Virgem Santíssima, revelam seu maternal compromisso com a
humanidade, cuja maternidade também assumiu quando deu seu Fiat
ao anúncio do anjo, de que geraria o Filho de Deus.
A
grande importância do “sim” de Maria para toda humanidade foi
assim interpretada pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira: “De
modo que a aceitação por parte de Maria do dom divino foi altamente
meritória. E o bem infinito que daí decorreu para todos nós, com a
Redenção, efetivamente dependeu do fiat
(faça-se)
d’Ela. Assim, depois de Deus, a Ela devemos a possibilidade que nos
foi aberta de salvarmos nossas almas e irmos para o Céu, até então
fechado aos homens pela culpa de Adão.”3
A Anunciação do Anjo Gabriel. |
Pois
bem.
A
Maternidade Divina de Maria é o primeiro dos quatro dogmas
marianos4,
e o mais antigo. É a primeira Festa Mariana da Igreja Ocidental,
celebrada em Roma desde o século VI, no dia 1º de Janeiro de cada
ano, provavelmente em razão da dedicação do templo de “Santa
Maria Antiga” no Foro Romano5.
A data desta celebração mariana já sofreu alterações.
Inicialmente era festejada no dia 1º de Janeiro, oitava da
Solenidade do Natal, quando comemorava-se a Festa da Circuncisão do
Menino Jesus, mas, com o desaparecimento dessa festa, o Papa Pio XI
instituiu, em 1931, em comemoração e memória ao XV Centenário do
Concílio de Éfeso (431), o dia 11 de Outubro para celebração da
proclamação solene de Santa Maria como verdadeira Mãe de Cristo,
verdadeiro Filho de Deus.
Com
a reforma do Calendário Litúrgico, após o Concílio Vaticano II, a
solenidade voltou para o dia 1º de Janeiro, com o título de “Santa
Maria, Mãe de Deus”6.
Embora
esse privilégio de Nossa Senhora fosse reconhecido desde os
primeiros séculos do cristianismo, sua proclamação, de fato, veio
no Concílio de Éfeso, em 22 de Junho de 431, que assim expressou:
“Que
seja excomungado quem não professar que Emanuel é verdadeiramente
Deus e, portanto, que a Virgem Maria é verdadeiramente Mãe de Deus,
pois deu à luz segundo a carne aquele que é o Verbo de Deus”7,
afirmando, por conseguinte, a unidade da pessoa de Cristo, ou seja,
reconhecer Maria como Mãe de Deus (Theotókos)
significa professar que Jesus, seu Filho segundo a geração humana,
é o Filho de Deus.
Os
fundamentos bíblicos desta profissão de fé são, sem dúvida, o
anúncio da Encarnação pelo anjo: «O
Espírito Santo descerá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá
com sua sombra. Por
isso, aquele que vai nascer será chamado santo, Filho de Deus.»
(Lucas 1:35), e a saudação de Isabel, cheia do Espírito do Santo:
«Como
mereço que a mãe do meu Senhor venha me visitar?»
(Lucas 1:43). Assim, esse privilégio reconhecido à Santíssima Virgem
está inteiramente apoiado na pessoa de Cristo, Deus e homem, isto é,
se Jesus reunia em si as naturezas divina e humana, como professou o
Apóstolo São Paulo (Filipenses 2:6-8), e tendo nascido de Maria, justo era
reconhecer-se a Ela o título de Mãe de Deus.
Não esqueçamos também do profeta Isaías, que muito antes da plenitude dos tempos, anunciou a encarnação do Messias no seio da Virgem: «Eis que a virgem conceberá, e dará luz um filho, e seu nome será Emanuel» (Isaías 7:14), que significa "Deus Conosco".
Entretanto, ao contrário do que se podia esperar, a definição deste dogma se deu após o inferno e seus sequazes representados, à época, por Nestório, terem lançado joio no meio do trigo, pregando que a Virgem Santa era apenas Mãe de Jesus homem, mas não Mãe de Deus, pois, para o heresiarca, Deus tinha habitado em um homem, mas não se tinha feito homem. Era a negativa do Mistério da Encarnação.
Entretanto, ao contrário do que se podia esperar, a definição deste dogma se deu após o inferno e seus sequazes representados, à época, por Nestório, terem lançado joio no meio do trigo, pregando que a Virgem Santa era apenas Mãe de Jesus homem, mas não Mãe de Deus, pois, para o heresiarca, Deus tinha habitado em um homem, mas não se tinha feito homem. Era a negativa do Mistério da Encarnação.
Vejamos
o relato do trinfo de Maria Santíssima narrado pelo Padre Júlio
Maria Lombaerde:
“Aparece
Nestório, que foi o primeiro a ousar negá-lo. Era
uma novidade.
Não queria o heresiarca
que se dissesse de nenhum modo que Deus ou o Verbo nascera de Maria,
e que nem sequer morrera, mas que unicamente fora unido àquele que
sofreu e morreu.
Deste
modo ele estabelecia, no cristianismo, total distinção
entre
um homem
e
um Deus,
arrebatando
a Maria o
seu
título de Mãe de Deus –
Deipara
ou
Theotócos,
para
substitui-lo pelo título de mãe de um homem unido à Divindade
'Theótocos',
e
pela diferença em pronunciar esta palavra tirava-lhe o sentido
católico, para impingir-lhe a sua heresia.
Apenas começava a
desabrochar o nestorianismo, e já era condenado pela Igreja inteira.
Numa
das grandiosas assembleias um grande bispo, São
Proclus,
diante de Nestório e de seus partidários, bradou com toda a força:
'Dizer que Jesus Cristo é puramente homem é ser judeu; afirmar que
é unicamente Deus, e que nada tem da natureza humana, é ser
maniqueu, e, enfim, ensinar
que o Cristo e o Verbo são dois, é estar separado de Deus'.
Santa Maria, Mãe de Deus (Theotókos) |
E quando um dos adeptos
do heresiarca proferia estas palavras: 'Anátema àquele que diz que
Maria é Mãe de Deus', todo o povo que estava reunido na igreja
soltou um grande e forte brado, levantando-se dali horrorizado e
votando desprezo ao blasfemador audaz.
Este
protesto do povo de Constantinopla, tão unânime e espontâneo, se
assemelhava a um verdadeiro anátema, infligido ao heresiarca,
porque, na verdade, era o brado da antiguidade, o brado do Evangelho,
o brado do Espírito Santo, que, pela voz de Isabel, haviam
proclamado Maria a Mãe
de Deus.
Esta negação ímpia
sublevou também todo o mundo cristão, que, possuído de santa
indignação até em suas entranhas, reuniu em Éfeso cerca de
duzentos bispos para protestar e defender diante de Deus e perante a
humanidade a Virgem ultrajada!
A reunião teve lugar em
Éfeso, na grandiosa igreja de 'Santa Maria', onde repousavam as
relíquias do seu grande apóstolo, São João Evangelista.
Ora,
desde que tiveram conhecimento desta célebre reunião, a Éfeso se
dirigiram milhares de fiéis, vindos
de
todas as partes do Oriente, impacientes por saberem qual seria a
decisão dos Santos Padres do Concílio.
Mas, como a última
sessão durasse desde a manhã até alta noite, legiões de homens e
mulheres acorreram de todos os lados da cidade ao templo de Maria
Santíssima, onde se achavam reunidos os bispos, e, cercando-a por
todos os lados, pediam, com lágrimas, que fossem confundidos os seus
inimigos.
Para
satisfação de tantos rogos e instâncias, o secretário do Concílio
escreveu sobre uma folha avulsa estas curtas palavras: 'Maria
triunfou!',
e
lançou o papel pela janela.
Ao
ouvir esta palavra que, no momento, correu de boca em boca, irrompeu
em toda a assembleia uma aclamação universal que fende os ares e em
toda parte só se ouve este canto de triunfo: 'Viva
a Mãe de Deus! Viva a Mãe de Deus!'
Num
instante a noticia circula e propaga-se por toda a
cidade,
embandeiram-se as ruas, iluminam-se todas as casas, junca-se de ervas
odoríferas o caminho por onde deviam transitar os padres do
Concilio.
Desde
que eles apareceram, foram saudados por milhares e milhares de vozes,
em que se manifestava o contentamento e o júbilo, sendo conduzidos
em triunfo ao som dos mais variados instrumentos e acompanhados em
meio das mais vibrantes aclamações. São escoltados pela força
pública, com as honras devidas à mais
augusta
assembleia do universo. Precedem-nos os homens, que carregam tochas
acesas; as mulheres, do alto das janelas, lançam sobre as suas
cabeças flores e mais flores; as crianças, apanhando-as todas,
depositam-nas onde eles têm de passar.
Na frente caminhavam cem
virgens, que levavam e queimavam odorífero incenso; enfim, cada
estado e cada idade procura mostrar a sua alegria e testemunhar o seu
reconhecimento.
Uns,
prostrando-se à sua passagem, lhes imploram a bênção; outros
curvam-se sobre as suas pegadas. Todos elogiam tão acertada decisão:
e durante toda a noite, até ao amanhecer, repetem-se sem cessar, por
toda parte, estas consoladoras palavras: 'Viva
a Mãe
de Deus! Viva
a
Mãe
de Deus!'
Os habitantes de Éfeso
e todos os peregrinos estranhos que ali haviam acorrido,
representavam condignamente os sentimentos da humanidade inteira e
exprimiam assim toda a veemência e a ternura expansiva do amor que
votavam à Mãe do Salvador.
Seria possível que
semelhantes cenas repercutissem ainda, no correr dos tempos, aos
olhos dos cristãos? . . .
Bem sei que em Lourdes,
em La Salette, em Pontmain, em Pellevoisin, Beauring, Fátima,
Aparecida . . . testemunhas da aparição de Maria, a fé com
impetuosidade, com vida e esperança, eleva os peitos e faz pulsarem
os corações, como jamais o pôde conseguir amor humano.
Mas haveria ai toda a
convicção e generosidade que tanto se admira em Éfeso? . . .
É
isto
o que poderia perguntar e a que só responderiam com certeza os
atores destas cenas.
A alma desta grandiosa
assembleia foi São Cirilo, por cujos lábios falava a Igreja inteira
e aclamava Maria Santíssima.
As palavras do santo
bispo ficarão para sempre como sendo o raio de luz, aureolando a
fronte virginal de Maria, e serão como um hino de amor para todos os
corações cristãos.
Citemos, pelo menos, a
conclusão do seu célebre discurso, pronunciado perante os duzentos
bispos, reunidos em concilio.
'Nós
vos saudamos, ó Maria, Mãe de Deus,
exclama o
piedoso
prelado, venerável
tesouro de todo o universo, chama inextinguível, coroa da
virgindade, cetro da fé
ortodoxa,
templo incorruptível, laço daquele que não tem vinculo, pelo qual
nos foi dado aquele que é chamado Bendito por excelência e que veio
em nome do Senhor. É por vós que se glorifica a Trindade; por vós
que se exalta e adora a cruz em todo o universo; é por vós que os
céus estremecem de alegria, que se rejubilam os
anjos.
É por vós ainda que os demônios são afugentados e que o demônio
tentador caiu do céu, para que a criatura caída ocupe ali o seu
lugar . . .'
e o final que foram estas palavras: 'Adoremos
a Santíssima Trindade, celebrando, por meio de nossos hinos, a Maria
sempre virgem, e ao seu Filho, Jesus Cristo, nosso Senhor, a quem
pertence toda honra e toda a glória nos séculos dos séculos'
(Discurso
de São Cirilo, no Concílio de Éfeso, extr. De
Bossuet.)
Deste
modo, Nestório, que tencionava rebaixar a Mãe de Deus, tornou-se, a
seu pesar, o grande promotor do seu culto. Com efeito, foi ele que o
fez colocar em pleno dia, diz Augusto Nicolas (A
Virgem Maria, livro III, cap. VII.),
recolhendo, como num centro luminoso e único, esta verdade, que foi
difundida em toda a doutrina da Igreja, desde os apóstolos, e pela
qual a maternidade divina de Maria é o argumento heroico da
divindade de Jesus Cristo e como que o paládio
do
cristianismo.
Na
verdade, foi Nestório que deu ensejo a que esta verdade e o culto
que a professa tivesse a sua forma mais concisa e sua justificação
mais deslumbrante, enquanto que iam possuindo conhecimentos fundados
a respeito de
sua piedade para com a Mãe de Deus.”8
Lamentavelmente,
hoje, e com muita frequência, ainda se ouve novos “Nestórios”
blasfemarem negando a Maternidade Divina de Maria, são, por exemplo,
os protestantes que não aceitam que Ela seja reconhecida como Mãe
de Deus. Na verdade, parece que essa recusa se dá pelo
desconhecimento, como observa o Pe. Neubert: “O título de Mãe de
Deus não significa, nem jamis significou entre os fieis, aquilo de
que Nestório nos acusava no século V e certos protestantes e
racionalistas nos acusam ainda hoje, isto é, que consideramos Maria
como mãe da divindade, ou como uma espécie de deusa como as da
mitologia. Afirmamos sim que Maria é Mãe de Deus, mas não que Ela
é mãe da divindade; Mãe de uma Pessoa que é Deus, e não mãe
dessa Pessoa enquanto Deus.”9
Concluindo,
rogamos à Virgem Santíssima, MÃE DE DEUS e nossa MÃE, que nos
conduza em cada momento deste Novo Ano, guardando-nos na verdadeira
fé e religião, alcançando-nos as graças espirituais e temporais
que lhe recomendamos … AMÉM.
Ó
MARIA CONCEBIDA SEM PECADO, ROGAI POR NÓS QUE RECORREMOS A VÓS!
Um
santo e abençoado ANO
NOVO
a todos!
Por
Maria a Jesus!
(*)
Os destaques em amarelo no texto, são nossos.
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_____________________________
1 cf.
“Missal Dominical - Missa da Assembleia Cristã”, Editora
Paulus, 5ª edição/1995, Antífona da Entrada da Santa Missa da
Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, p. 114.
3 cf.
artigo publicado sob o título: “O
fiat que nos abriu as portas do Céu – Meditação sobre o
mistério da anunciação que se comemora em 25 de março”,
capturado em
https://ipco.org.br/o-fiat-que-nos-abriu-as-portas-do-ceu/#.WiQFwVWnHIU
4 São
quatro os dogmas marianos: Maternidade Divina, Virgindade Perpétua,
Imaculada Conceição e Assunção.
6 Idem.
8 MARIA,
Pe. Júlio. “Por que Amo Maria”, Edições Paulinas/1960,
Capítulo II – Maria Santíssima na Igreja, O Concílio de
Éfeso, pp. 81 a 84. Texto revisto e atualizado por nós.
9 NEUBERT,
Padre E. “Maria Santíssima Como a Igreja Ensina”, Editions
Spes, Paris, 1945, Cap. I, p. 14, obtido em
http://www.leiturascatolicas.com.