TERCEIRA APARIÇÃO: A VIRGEM IMACULADA E A EUCARISTIA
Em
dezembro passado postamos acerca da Terceira Aparição da Virgem
Imaculada a Santa Catarina Labouré (VideAqui),
e a Vidente inicia o relato dessa Aparição indicando o local
escolhido por Nossa Senhora para se manifestar mais uma vez:
“Um
dia, às cinco horas e meia da tarde, depois da meditação, no mais
completo silêncio, julguei ouvir um ruído como o fru-fru dum
vestido de seda, vi a Santíssima Virgem, perto do Sacrário, um
pouco atrás...”1
Foi a última Aparição das três ocorridas no ano de 1830, em
Paris, na capela da rue
du Bac.
Diferentemente
das duas anteriores (em julho e novembro), quando a SS. Virgem
apareceu pelo lado da tribuna onde ficava um quadro de São José, ou
seja, lado esquerdo do altar (lado da epístola, segundo o Rito da
época, hoje tido como Rito Extraordinário ou Tridentino2),
na terceira, a manifestação se deu “perto
do sacrário, um pouco atrás”.
Daí vem a pergunta: por que Nossa Senhora escolheu a proximidade do
Sacrário para se manifestar?
A
primeira observação que nos vem, é a da própria Sagrada
Escritura. No livro dos Provérbios, capítulo 16, versículo 4,
lemos: «O
Senhor faz tudo com um propósito …»,
isto é, em tudo há sempre um propósito divino, ao qual somos
chamados a interpretar e absorver. Saber interpretar os sinais que o
Céu nos envia, ajuda-nos a compreender e observar a vontade de Deus
em nossas vidas. A título de exemplo, podemos citar a mensagem
angelical aos pastores de Belém, anunciando-lhes o nascimento do
Salvador: «É
que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o
Senhor. E isto vos servirá de sinal: encontrareis uma criança
envolta em faixas e deitada numa manjedoura»
(Lc
2, 11-12), e assim os pastores foram a Belém, chegando lá,
encontraram «...
Maria e José, e o recém-nascido deitado na manjedoura»
(Lc 2, 16), sinal conforme indicado pelos anjos.
Portanto,
a Aparição próxima ao Sacrário é um detalhe que não nos pode
passar despercebido, era um sinal incontestável da indicação de
Jesus Eucaristia, como fonte (de energia) e alimento para nossa
caminhada, como outrora foi o maná do deserto para o povo hebreu a
caminho da Terra Prometida (Ex 16: 15).
A
escolha desse lugar (Sacrário, centro do altar) se harmoniza e
complementa um convite da Virgem à sua Vidente, na primeira
Aparição: “Vinde
aos pés deste altar, aqui as graças serão derramadas sobre todas
as pessoas que as pedirem com fervor …”3.
Na 1ª Aparição, a Santíssima Virgem apontando o pé do altar, onde a Irmã Catarina deveria lançar- se para receber as consolações necessárias. |
Ainda
no relato da Aparição de julho de 1830, a Irmã Catarina
acrescenta: “Ela
me disse … a maneira de me conduzir em meus sofrimentos: vir
lançar-me ao pé do altar (e mostrava com a mão esquerda o pé do
altar) e ali abrir meu coração. Ali receberia todas as consolações
de que tivesse necessidade.”4
Nossa
Senhora ao indicar à Santa o pé do altar, e em sua última Aparição
se manifestar tão próxima ao Sacrário, está nos ensinando também
o caminho que devemos tomar para abrirmos os corações, buscarmos
consolo nas horas difíceis, e haurirmos a força necessária para a
nossa jornada neste mundo; e, convenhamos, não há ninguém melhor
que Ela para nos indicar Cristo, afinal de contas foi Seu Sacrário
vivo, carregou-O em seu puríssimo ventre por nove meses;
apresentou-O aos pastores e aos reis magos na gruta de Belém, e foi
quem mediou o primeiro milagre, nas Bodas de Caná (Jo 2: 1-11).
Não
há como falar-se de Maria e da Eucaristia sem citarmos São João
Paulo II, de saudosa memória, apresentando-nos, através da Carta
Encíclica “Ecclesia
de Eucharistia”,
Maria como a «Mulher
Eucarística»:
“Se
quisermos redescobrir em toda a sua riqueza a relação íntima entre
a Igreja e a Eucaristia, não podemos esquecer Maria, Mãe e modelo
da Igreja. Na carta apostólica Rosarium
Virginis Mariæ,
depois de indicar a Virgem Santíssima como Mestra na contemplação
do rosto de Cristo, inseri também entre os mistérios da luz a
instituição
da Eucaristia.
Com efeito, Maria pode guiar-nos para o Santíssimo Sacramento porque
tem uma profunda ligação com ele.
Maria, «Mulher Eucarística» |
À
primeira vista, o Evangelho nada diz a tal respeito. A narração da
instituição, na noite de Quinta-feira Santa, não fala de Maria.
Mas sabe-se que Ela estava presente no meio dos Apóstolos, quando,
«unidos
pelo mesmo sentimento, se entregavam assiduamente à oração»
(Act
1,
14), na
primeira comunidade que se reuniu depois da Ascensão à espera do
Pentecostes.
E não podia certamente deixar de estar presente, nas celebrações
eucarísticas, no meio dos fiéis da primeira geração cristã, que
eram assíduos à «fracção do pão» (Act
2,
42).
Para
além da sua participação no banquete eucarístico, pode-se
delinear a relação de Maria com a Eucaristia indirectamente a
partir da sua atitude interior. Maria
é mulher « eucarística » na totalidade da sua vida.
A Igreja, vendo em Maria o seu modelo, é chamada a imitá-la também
na sua relação com este mistério santíssimo.
“De
certo modo, Maria praticou a sua fé
eucarística ainda
antes de ser instituída a Eucaristia, quando ofereceu
o seu ventre virginal para a encarnação do Verbo de Deus.
A Eucaristia, ao mesmo tempo que evoca a paixão e a ressurreição,
coloca-se no prolongamento da encarnação. E Maria, na anunciação,
concebeu o Filho divino também na realidade física do corpo e do
sangue, em certa medida antecipando n'Ela o que se realiza
sacramentalmente em cada crente quando recebe, no sinal do pão e do
vinho, o corpo e o sangue do Senhor.
Existe,
pois, uma profunda
analogia entre
o fiat
pronunciado
por Maria, em resposta às palavras do Anjo, e o amém
que
cada fiel pronuncia quando recebe o corpo do Senhor. A Maria foi-Lhe
pedido para acreditar que Aquele que Ela concebia «por obra do
Espírito Santo» era o «Filho de Deus» (cf. Lc
1,
30-35). Dando continuidade à fé da Virgem Santa, no mistério
eucarístico é-nos pedido para crer que aquele mesmo Jesus, Filho de
Deus e Filho de Maria, Se torna presente nos sinais do pão e do
vinho com todo o seu ser humano-divino.
«Feliz
d'Aquela que acreditou» (Lc
1,
45): Maria antecipou também, no mistério da encarnação, a fé
eucarística da Igreja. E, na visitação, quando leva no seu ventre
o Verbo encarnado, de certo modo Ela serve de «sacrário» – o
primeiro «sacrário» da história –, para o Filho de Deus, que,
ainda invisível aos olhos dos homens, Se presta à adoração de
Isabel, como que «irradiando» a sua luz através dos olhos e da voz
de Maria. E o olhar extasiado de Maria, quando contemplava o rosto de
Cristo recém-nascido e O estreitava nos seus braços, não é
porventura o modelo inatingível de amor a que se devem inspirar
todas as nossas comunhões eucarísticas?
Ao
longo de toda a sua existência ao lado de Cristo, e não apenas no
Calvário, Maria viveu a dimensão
sacrificial da Eucaristia.
Quando levou o menino Jesus ao templo de Jerusalém, «para O
apresentar ao Senhor» (Lc
2,
22), ouviu o velho Simeão anunciar que aquele Menino seria «sinal
de contradição» e que uma «espada» havia de trespassar também a
alma d'Ela (cf. Lc
2,
34-35). Assim foi vaticinado o drama do Filho crucificado e de algum
modo prefigurado o «stabat
Mater»
aos pés da Cruz. Preparando-Se dia a dia para o Calvário, Maria
vive uma espécie de «Eucaristia antecipada», dir-se-ia uma
«comunhão espiritual» de desejo e oferta, que terá o seu
cumprimento na união com o Filho durante a Paixão, e
manifestar-se-á depois, no período pós-pascal, na sua participação
na celebração eucarística, presidida pelos Apóstolos, como
«memorial» da Paixão.”5
Portanto,
se Maria Santíssima – a «Mulher
Eucarística»
–
nos indica o Sacrário como o local para o qual devemos dirigir
nossas preces, nossos pedidos e súplicas, e lá receber toda a
consolação necessária, é porque deseja que ingressemos mais
profundamente no Mistério Eucarístico, que nos tornemos almas
eucarísticas. Bem a propósito, foram as exortações de São
Josemaria Escrivá: “Sê
alma de Eucaristia!”,
das quais transcrevo duas:
“Sê alma de Eucaristia! - Se o centro dos teus pensamentos e esperanças estiver no Sacrário, filho, que abundantes os frutos de santidade e de apostolado! (Forja, 835)
“Jesus ficou na Eucaristia por amor..., por ti.- Ficou, sabendo como é que os homens O receberiam..., e como é que tu O recebes.- Ficou, para que O comas, para que O visites e Lhe contes as tuas coisas e, chegando ao trato íntimo na oração junto do Sacrário e na recepção do Sacramento, te enamores mais de dia para dia, e faças que outras almas - muitas! - sigam o mesmo caminho. (Forja, 887)”6
Concluímos
com a advertência do Frei Henrique Trindade em sua célebre obra, A
Alma Gloriosa de Maria:
“Quão
pouco eucarística é a nossa alma, ostensiva, egoísta, ingrata,
dissipada, rebelde, esquecida dos interesses do Pai Eterno! Como
comungamos? Como assistimos à Santa Missa? Como fazemos as nossas
adorações e visitas? Digamos com o inspirado autor das Palhetas de
Ouro: 'Há
de ser sempre por Maria e com Maria que eu me aproximarei de Jesus
Sacramentado'.
Unidos, realmente, com Cristo, por meio da Senhora, teremos os sinais
da Eucaristia gloriosa. O que não alcançou o grande irmão
franciscano São Paschoal Baylon, por meio de Maria, junto ao
tabernáculo?
Senhora,
Mãe de Jesus Cristo, fazei que seja eucarística a nossa alma. Que,
imitando as virtudes próprias de Jesus-Hóstia, vivamos cada vez
mais sob o influxo suave deste Mistério de amor. Assim seja!”7
Por
Maria a Jesus!
Sou
todo teu, Maria.
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______________________________
1 cf.
CASTRO, Padre Jerônimo Pereira de. Santa
Catarina Labouré e a Medalha Milagrosa,
Editora Vozes, 2ª edição/1951, Cap. IV, p. 95.
2 cf.
BERGMAN, Lisa. “Tesouro da Tradição Guia
da Missa Tridentina”, tradução e
adaptação de Nestor Forster Jr., Editora Ecclesiae, 2015, p. XXVII
(“De que lado?”): “O lado esquerdo é onde ocorre a maior
parte da Missa dos Catecúmenos, durante a qual nos preparamos para
vinda de Nosso Senhor, ouvindo os Seus servos na Epístola e nos
Salmos do Velho Testamento … As partes da Missa que envolvem água
(o Lavabo, a mistura de água e vinho, e as abluções) ocorrem
todas do lado esquerdo do altar, onde está a sacra com as orações
correspondentes.” Ressalta-se, entretanto, que a maior parte da
Missa nesse Rito, ocorre no centro do altar.
3 cf.
CHARPY, Élisabeth. “Orar 15 Dias com Santa
Catarina Labouré”,
Editora Santuário, 2012, Sexto Dia, 46.
4 cf.
SANTOS, Armando Alexandre dos. “A
Verdadeira História da Medalha Milagrosa”,
Editora Artpress, 2ª edição/2017, pp. 22-23.
5 cf.
http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_20030417_eccl-de-euch.html,
excertos do Capítulo IV, §§ 53, 55 e 56.
7 TRINDADE,
Frei Henrique G., “A Alma Gloriosa de
Maria”, Editora Vozes, 2ª edição/1937,
Cap. XXIV, pp. 128-129 (excertos – O destaque é nosso).